14 junho 2006

Comboios de Portugal

«Tenho uma relação de amor e ódio com a CP. Coisa de anos.
O comboio vestiu-me o olhar com algumas das paisagens mais belas.
(...)
Ao mesmo tempo que me deu isto – e as populações podiam falar de muito mais - a CP foi cometendo alguns dos mais graves crimes de Estado. Encerrou linhas e trajectos com base na sacrossanta justificação dos custos e com a cumplicidade – e algo mais, desconfio – de autarcas e figuras de Estado. Como se o Estado tivesse de se preocupar sempre com margens de lucro e não bastasse ser gerido com equilíbrio em benefício de todos.
Se passearmos com calma pelo interior esquecido e amargurado, encontramos as provas dos crimes: estações de caminho-de-ferro abandonadas, vandalizadas, entregues a currais, a mendigos e ao consumo de droga.
(...)
Aí vemos, portanto, a exibição quase alarve do crime: um património único, obras de arte notáveis (Barca de Alva, por exemplo) desaparecendo à conta de criminosas administrações e governos.
Crime público. As palavras são essas, não há que ter medo.
(...)
Envergonhada, sem carácter, esta empresa que devia ser o espelho de um País dito civilizado, chegou ao ponto de levantar carris pela calada da noite para fugir aos protestos do povo.
(...)
Enfim, podia dizer mais. Fiquemos por aqui.
A verdade é que, em Portugal, o crime compensa. Mesmo ao nível do Estado. Ou será que devia dizer... sobretudo ao nível do Estado?»
Miguel Carvalho, Visão

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