O golpe de mão do PS na Caixa Geral de Depósitos não foi apenas mais um episódio lamentável de clientelismo partidário, não foi apenas uma imprevidência do caderno de encargos do novo ministro das Finanças, nem foi apenas uma decisão mal ponderada de um primeiro-ministro assoberbado com outras matérias.
O assalto do PS à administração da CGD foi o maior erro de José Sócrates nestes quase seis meses de Governo. Um erro com consequências políticas e eleitorais em larga medida irrecuperáveis.
José Sócrates prometera, na melhor das hipóteses irreflectidamente, durante a campanha eleitoral, não subir os impostos. E fez precisamente o contrário ao fim de poucas semanas como chefe de Governo. Tentou, em recurso, respaldar essa promessa não cumprida com um relatório caucionador do Banco de Portugal e com uma suposta ignorância da verdadeira dimensão do défice das contas públicas.
Apesar da encenação e de tudo o resto, a maioria dos portugueses, como comprovaram as sondagens, perdoou-lhe essa primeira falta de palavra e de rigor. Sobretudo, por terem interiorizado as dificuldades financeiras e económicas que o país atravessa. E, também, em nome da política difícil e corajosa de combate ao despesismo público e de moralização do sistema de reformas a que Sócrates, em simultâneo, metera ombros.
As notícias sobre a acumulação de reformas e vencimentos, por parte de vários ministros e múltiplos titulares de cargos políticos, vieram lançar novas dúvidas e apreensões sobre a coerência do discurso de austeridade e rigor do primeiro-ministro. Ainda assim, as apressadas medidas de correcção desses excessos e privilégios somadas ao discurso moralizador do primeiro-ministro evitaram maiores danos na credibilidade do novo poder, conservando no essencial a base de confiança no chefe do Governo.
A inédita demissão do ministro das Finanças, Campos e Cunha, ao fim de quatro curtos meses no Executivo, veio adensar de novo suspeições e receios. Que se atenuaram momentaneamente ou passaram a segundo plano com o tema das presidenciais e a surpreendente reentrada em palco de Mário Soares.
O raide socialista na administração da CGD teve, no entanto, o efeito de secundarizar o folclore das presidenciais e de confirmar as previsões mais pessimistas. Dando razão e sentido aos sinais que vinham de trás - a demissão de Campos e Cunha, as acumulações de privilégios da clientela partidária, as promessas não cumpridas, as paulatinas nomeações de «boys» para empresas públicas.
O afastamento dos administradores da CGD antes do final do seu mandato, com direito a chorudas indemnizações, não por má gestão ou incompetência mas por falta de «confiança política», substituídos por elementos partidariamente alinhados (com a extraordinária promoção de Armando Vara e a hipocrisia política de manter uma administradora caída de pára-quedas, Celeste Cardona, cuja nomeação o PS tão ardorosamente criticara) desfez todas as dúvidas.
Por ser um gesto totalmente contraditório com todo o discurso de «despartidarização», do «primado das competências», do «combate ao clientelismo» com que José Sócrates e a maioria absoluta do PS encheram os tempos de antena eleitorais e os ouvidos dos portugueses nos primeiros dias de governação.
O assalto partidário á CGD veio dar razão à opinião comum de que «são todos iguais», na acepção popularmente mais depreciativa da frase. José Sócrates perdeu, com esse gesto, a marca de distinção que quis outorgar-se enquanto primeiro-ministro. E lançou pela janela grande parte do capital de confiança que muitos eleitores - não socialistas, mas que, à falta de alternativas credíveis, lhe deram o crédito do seu voto em 20 de Fevereiro - ainda nele depositavam.
Além do mais, esta decisão - com a inopinada ascensão de Armando Vara a administrador da CGD - tem a marca indelével do primeiro-ministro. Não foi, pois, uma decisão tomada à sua revelia. Antes pelo contrário.
José António Lima, in JORNAL EXPRESSO de 12 Agosto 2005
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