Acordei, estremunhado, do coma letárgico em que me encontrava há já um largo tempo, tempo este de que não tive consciência , dado o meu estado de letargia. Não se tratou dum coma espontâneo mas induzido. Fui eu que quis colocar-me nesse estado para ver se tudo tinha o seu curso natural apesar da minha inexistência mental. E não é que tudo se passou, tudo funcionou, tudo decorreu normalmente apesar da minha ausência! Nasceram pessoas, morreram pessoas, o tempo passou e houve as mudanças habituais; até, dentro de mim, tudo permaneceu operacional: o sangue deambulou por mim, o oxigénio não me faltou, se bem que a minha mente estivesse ausente.
Que importância tem o facto de eu estar consciente, de pensar, de emitir opiniões? Nenhuma. Mas eu quis mesmo que , originado por mim, nada perturbasse o devir normal do mundo, para que quem quisesse pudesse chegar à conclusão de que eu não tenho, no rolar dos acontecimentos, qualquer influência.
Também quis, com o meu coma, habituar-me à minha inexistência, durante séculos e séculos, inexistência certa , para toda a eternidade, pelo menos, na minha ausência permanente deste mundo. Quando estiver do outro lado, há de ser, penso eu, dum modo totalmente diferente, sem transcurso de horas, minutos ou segundos, numa intemporalidade em que não haverá nem passado, nem presente, nem futuro. Simplesmente seremos intemporais, que penso que é o que Deus é: intemporal. Será mesmo uma experiência muito interessante a nossa instalação na intemporalidade.
Tenho a ideia de que saí do meu coma a contragosto, que queria permanecer nele e que me sentia feliz: o meu acordar foi, por isso, doloroso, provocado por ruídos a mim alheios e que fizeram com que voltasse às agruras do viver e do conviver. Mas agora sinto que estarei por cá uns tempos e que têm de contar comigo para o que der e vier.
João de Matos
2 comentários:
: Abstração
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A "Abstração" é, para mim, um dos temas mais fascinantes do conhecimento (ou da sua procura).
A abstração é, para mim, uma análise mental ou lógica, isto é, uma operação pela qual o espírito considera em separado aquilo que na realidade o não está.
É um dos meus exercícios preferidos... isolar nos indivíduos ou objetos, representados pelas perceções ou imagem, os seus caracteres singulares, ou tudo o que é acessível aos sentidos e considerar nelas apenas o que há de comum a todos os outros da sua espécie, ou seja a sua ESSÊNCIA.
Poder, através da abstração pura, dar aos objetos um ser diverso daquele que na realidade possuem, porque esta abstração os liberta das suas características individuais e concretas considerando, apenas, o que entre eles há de comum... é SUBLIME!
Parabéns, meu caro JLM (pelo escrito e pelo regresso).
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/homem-coma-depois-balear-mulher-carrazeda-ansiaes
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