O culto aos mortos é tão antigo como a própria história do homem. A primeira manifestação conhecida está ligada às antas, datada dos fins do quinto milénio?, mais tarde, os egípcios e os maias construíram pirâmides, os reis e os imperadores mausoléus, sarcófagos e memoriais e o povo inscrições na pedra. A Igreja Católica instituirá o
Dia de Finados que passou a ser comemorado em 2 de Novembro. Neste dia, os
devotos dirigem-se ao cemitério com o sacerdote que em troca de uma entrega
pecuniária reza pelos familiares falecidos. Por altura da celebração do padroeiro era comum fazer-se o ofício das almas que consistia numa preleção de
dois ou três sacerdotes em latim, envolvendo um cerimonial longo e solene.
Uma das referências do culto dos
mortos são as alminhas, que representam as almas do purgatório às quais é
necessário rezar para que a sua penação seja curta e a entrada no paraíso o
mais breve possível. Estas representações estão normalmente em locais de
passagem, encruzilhadas dos caminhos, ou então à entrada das localidades. As
Alminhas eram respeitadas e veneradas: os homens descobriam-se e benziam-se
quando por elas passavam e todos rezavam. Por vezes, colocavam flores, velas e
também uma moeda na caixa das esmolas.
O ritual funerário é diverso e muitas
vezes doloroso: o acompanhamento na agonia, o repicar dos sinos, os choros, a
lavagem e o arranjo do corpo, o velar noturno, o cortejo, o enterro, o luto e a
dor, o apaziguamento das almas... O anúncio da triste notícia era anunciado à população com o repenicar próprio, triste e compassado dos sinos da
igreja. Ouvir o tocar aos mortos provocava sempre temor. Aqueles que se
encontram no campo descobrem-se respeitosamente, muitos adivinham o acontecido
e rezam uma oração pelo falecido, ou tão só exclamam “Que Deus o tenha em
eterno descanso”; quase todos abandonam o trabalho rapidamente por respeito e
retornam por novas e para confortar e visitar a família.
O cadáver é lavado e aos homens
faz-se a barba. As roupas que levam vestidas são as que habitualmente usa ou,
mais frequentemente, com as suas melhores peças, o fato de casamento,
normalmente pretos no caso dos homens, e guardados especialmente para o último
passo. As crianças são vestidas de branco, bem como as mulheres solteiras,
presumivelmente virgens, levam um véu da mesma cor. A mortalha com que se
embrulha ou cobre o morto é habitualmente de linho branco.
No caixão, o corpo é acompanhado
de vários objetos: rosários e orações são comuns. Porém, o imprescindível é uma
moeda, uma migalha de pão, um bocado de cera e a seguinte quadra: “Que é que
trazes no mangão/ Levo um tostão/ Cera e pão/ Para passar o Jordão.” A moeda é para pagar ao
barqueiro; o pão para a viagem e a cera para alumiar o caminho.
No velório, o cadáver permanece
em sua casa e é iluminado por velas ou um candeeiro de azeite. Os que entram aspergem
o morto com água-benta. Usa-se um ramo de alecrim ou de oliveira fazendo-se uma
cruz no ar. As pessoas da família permanecem junto do caixão e recebem as
condolências. Durante toda a noite do velório os que guardam o morto rezam
orações de mistura com palavras de saudade.
O momento de exéquias com a
presença do padre contempla os seguintes momentos: em casa do defunto, na
igreja, no percurso e no cemitério; com duas procissões intermédias (da casa do
defunto para a igreja e da igreja para o cemitério). O clérigo vai buscar o
defunto a casa e é transportado por homens que vestem opas para a igreja, onde é
celebrada uma missa de corpo presente, proibida somente no Tríduo Pascal
(quintas, sextas e sábados santos), nas solenidades de preceito e nos domingos
do Advento, da Quaresma e da Páscoa. À gente “importante” era rezado um ofício
de exéquias concelebrado por mais de um sacerdote. Os que se suicidam não têm
direito a sepultamentos católicos, isto é sem o acompanhamento do padre são
transportados diretamente para o cemitério. No percurso para o cemitério, aos
ombros dos homens trajados de opas, de quando em quando fazia-se uma pausa para
uma oração, colocando-se o caixão em cima de cadeiras ou bancos transportados a
propósito. No cemitério, o clérigo faz a oração final por cima do choro mais
forte da despedida. Os sinos fazem-se ouvir com o triste repicar. Ao fim de
sete dias é celebrada a missa do sétimo dia.
O luto obriga ao uso da cor negra
em todas as peças exteriores do vestuário ou a marcar um sinal negro à volta do
braço da camisa, do casaco ou uma fita preta nos chapéus. De uma maneira geral,
os homens não fazem a barba durante determinados dias. Porém, o luto atinge
sobretudo as mulheres. Nelas é negro o lenço ou o xaile a cobrir a cabeça. A
regra é encobrir o mais possível o corpo, em particular o rosto. O período de
luto, no caso de maridos ou filhos, prolonga-se quantas vezes até ao fim da
vida. O luto manifesta-se também retirando os brincos e outras peças de adorno.
O conjunto das proibições e
prescrições observa-se normalmente durante um ano e é neste tempo que têm lugar
os vários rituais de comunhão com os mortos: celebração de missas, romagens ao
cemitério e esmolas, entre outros. É comum na missa de sétimo dia e de
aniversário distribuir-se pão e vinho pela população.
São também vários os exemplos de
associar os mortos queridos à vida quotidiana, de comunicar com eles, de
aliviar as suas penas: evocações nas preces, nas Trindades, nas esmolas...
As almas manifestam-se e
intrometem-se no mundo dos vivos, em todas as horas do seu quotidiano: são os
"espíritos" ou "almas penadas", isto é, as almas que não
têm as suas "penas" no Purgatório, nem tão pouco lugar no Céu nem no
Inferno; são as almas das pessoas que deixaram promessas por cumprir, dívidas
por saldar, e também dos que morreram de morte súbita e violenta ou
assassinados. Podem, assim, vaguear por qualquer lado, gemendo de noite pelos
cemitérios e em encruzilhadas, nas soleiras das portas, por cima dos telhados;
introduzindo-se em animais. Muito temido é o redemoinho de vento: são as almas
perdidas que não puderam entrar no Céu. Estas almas podem meter-se no
corpo dos vivos, e para os quais é necessário o esconjuro, acessível a todos, “Vade
retro Satanás” seguido do sinal da cruz; e o exorcismo, uma oração oficial da
Igreja, mas reservada aos padres exorcistas.
In "Selores ...e uma casa"
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