– Uma viagem à Casa da Moura ii –
De cada um destes
altares esguios, os miradouros de Carrazeda de Ansiães, majestosos e suspensos
nas nuvens, pode desfrutar-se dessa paisagem natural deslumbrante, imponente e
a perder de vista. Paisagens que os mortais aproveitaram para implorar a misericórdia dos
deuses, apaziguar a sua ira oferecendo sacrifícios nas aras de granito, com
eles dialogar inscrevendo nas pedras sinais para os deuses entenderem ou neles
erigir belas construções e memoriais de fé. Não será de estranhar esta história,
que se fala por aí, e vamos recontar, porque o sagrado sempre preferiu a
largueza de horizontes, a beleza envolvente, o silêncio e o encanto das
paisagens grandiosas.
Há muitos anos, a
Senhora da Assunção, que está no cabeço em Vilas Boas, apareceu primeiro em alguns
destes miradouros de Ansiães. Em Parambos, num monte que é conhecido por
“Cabeço”, lá nas fragas que aconchegam a aldeia, apareceu Nossa Senhora a uma
pastorinha. Será justo aqui perguntar, porque serão os pastorinhos, quase
sempre, os intermediários do divino? Talvez seja, pelo muito tempo que dispõem,
o silêncio que os envolve e a magia da comunhão com a natureza. Talvez seja,
porque o sagrado escolhe a simplicidade das suas origens e a sua pureza
infantil. Talvez… A Senhora estava sentada numa cadeira de pedra e logo pediu
pela boca da pequenina apascentadora que lhe fosse ali erguida uma capelinha. Informada
a população de Parambos e logo crente porque na cadeirinha de granito estava
sentada imóvel e calada tão distinta Senhora, “vestida toda de branco e mais brilhante
que o sol”, embora uma beata entendida logo assegurasse que era a Senhora da
Assunção. O piedoso povo ali irmanado, não achando digno o lugar inóspito, pegou-lhe
com todo o ardor religioso e imbuído de grande fé, em procissão, levou-a para a
sua igreja. Prostrados em oração, todos ali se mantiveram até ao tocar das
Trindades, tendo que regressar a suas casas porque a canícula do Verão obrigava
a cedo levantar para as lides do campo, exceto a pastorinha que em transe
mágico, hipnotizada e envolta da luz divina, ninguém conseguiu arredar para
longe da linda Senhora. Só que Ela, no dia seguinte, bem de madrugada apareceu
de novo sentada no mesmo cabeço, na mesma cadeira e junto da mesma singela
pastorinha. A população tornou A ir buscá-La. Rezando e cantando levou-A de
novo para a sua igreja. Pois podia lá haver lugar mais digno e magnífico que o
seu magnífico templo? E tudo se repetiu. Foi então que, ao terceiro dia, cansada
de ver a Sua vontade contrariada, a Senhora que dizia ser Do Céu levitou na
cadeira, com uns pés poisados numa nuvem mais alva que a neve, elevou-se nos
ares e desapareceu. Como se constata, só podia ser a Senhora da Assunção,
Foi aparecer no cabeço
de Vilas Boas, já no outro concelho vizinho e rival, onde já existiria uma
pequena capela abandonada que serviria de abrigo aos gados que pastoreavam a
zona. Em quatro de Setembro de 1673, uma segunda-feira, a Virgem Maria, na forma de Senhora da
Assunção, aí surgiu a uma outra menina, agora de Vilas Boas, com 10 anos de
idade e logo pediu que lhe restaurassem a capela. Sabedores do sucedido na
aldeia de Parambos, depressa retiraram os gados e no mesmo dia iniciaram as
obras. A Senhora apareceria ainda mais duas vezes nos dias sete e oito desse
mesmo mês. Os factos amplificados de boca em boca, mais ainda pelo sucedido em
Parambos, deram fama ao local e originaram um grande corrupio de peregrinos que
com as suas ofertas contribuíram para a edificação de um grande santuário, como
ela pedira e onde agora lhe fazem uma grande festa como todos constatamos a 15
de Agosto. Bem recentemente o arguto e perspicaz edil vila-florense aí erigiu
avultadas obras para honra e glória do seu concelho.
O certo é que, no alto
do cabeço de Parambos, lá continua uma fraga com o formato de uma cadeira. Tanto
mais que, todos os anos, no dia em que ela ali apareceu, esteja sol ou não, a
fraga onde apareceu pinga. E dizem que no dia da sua festa, em Agosto, brota
ainda com mais intensidade. O povo diz, e deve ser verdade, serem as lágrimas
de Nossa Senhora, que chora por lhe não terem construído ali a capela. Só mais
tarde, o povo de Parambos começou a pensar que ela queria lá ficar no termo. E
isso fez-lhes pena. Fizeram então lá também uma capelinha. É uma capelinha
pequenina, mas muito linda. Foi uma pena para a economia do concelho e também para
a sua riqueza religiosa não se soubesse aceder aos apelos da simples pastorinha
e que a verdadeira Nossa Senhora da Assunção agora more em Vilas Boas.
Foi também por esta
razão que agora os pais atendem a todas vontades e todos os caprichos das suas
crianças: tudo lhe fazem, tudo lhe compram, tudo lhe permitem, tudo lhe
perdoam, estragando-os com mimos e transformando-os em pequenos ditadores: eles
põem e dispõem. Perguntamo-nos: quem manda hoje em casa, os pais ou as
crianças? Será que ninguém se pergunta que este endeusamento dos meninos minimiza
os adultos e está a dar péssimos resultados. É óbvio que é preciso ouvir as
crianças, mas nunca poderão ser elas a tudo decidir. Os pais não são respeitados
porque não se dão ao respeito e por isso estamos a criar uma geração que não
houve um não, que não tem respeito pelos mais velhos e pela autoridade e irá
ter um duro embate quando confrontada com o mundo real.
Subamos lá ao alto dos
miradouros para observar as obras da natureza e as edificações humanas, símbolos
da fé, e se o tempo permitir refletir sobre a procura de infinito que sempre
perseguiu o homem, ou tão só inspirar o ar puro porque é sempre retemperador
para as agruras da vida e para recarregar baterias na luta do dia-a-dia.
Se quiserem connosco
seguir na próxima viagem à casa da Moura, falar-vos-emos dum pobrezinho que
transformou um pau de amoreira numa das mais belas figuras da arte sacra do
concelho.
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