01 janeiro 2014

Para uma conceção da identidade nacional

Numa tentativa de se clarificar a noção de identidade nacional apresentam-se três exemplos que se consideram diferentes perspetivas de abordar a sua conceção, no duplo sentido da sua criação e compreensão. São eles: a nacionalidade, a concetualização do sentimento de pátria e a pertença a um estado.
O primeiro reporta ao conceito de nacionalidade. Na sociedade antiga os vínculos de ligação, muito mais que a um país e a um continente, eram com o senhor da terra e à comunidade a que se pertencia. Conta-se o episódio do rei D. Luís, que, ao questionar um conjunto de pescadores a bordo de um barco de pesca se eram portugueses, surpreendeu-o a resposta: “Não meu senhor, nós somos da Póvoa de Varzim!”. Mais de trezentos anos passados da publicação d`Os Lusíadas, um grupo de pescadores, aqui podendo representar, à altura, a larga maioria da população iletrada do país não tinha consciência da pertença ao estado português. O seu vínculo territorial ficava-se pelo espaço de nascimento, isto é, a naturalidade e o seu horizonte espacial alargava-se a algumas milhas de oceano que constituíam a “courela” do seu sustento. Muito mais que a nacionalidade, importava a naturalidade. José Mattoso comunga desta conceção: pátria, para um camponês ou um pescador era a sua aldeia, a sua quinta, o seu senhor, o terreno que agricultava ou o mar onde pescava. O vínculo identitário dos aldeãos e camponeses era com o senhor da terra e a comunidade em que se inseria. E assim seria até ao liberalismo e ao início da primeira república.
Com o desenvolvimento dos meios de transportes, a difusão da imprensa, o início da escolaridade obrigatória, as grandes comemorações coletivas dos feitos nacionais, a celebração dos centenários: morte de Camões (1880), Pombal (1882), Vasco da Gama (1998), Afonso de Albuquerque (1915) e Magalhães (1921), inicia-se a massificação do conceito de identidade nacional.
O segundo exemplo refere-se ao sentimento patriótico que teve como modelo a ideologia do Estado Novo. Desde os bancos da chamada Escola Primária, se inculcava o orgulho de ser português a todas as crianças, sugerindo a natureza do território, a sacralidade, a sua inviolabilidade e venerabilidade.
Menino, sabes o que é a Pátria?
A Pátria é a terra em que nascemos, a terra em que nasceram os nossos pais e muitas gerações de portugueses como nós.
É a nossa Pátria todo o território sagrado que D. Afonso Henriques começou a talhar para a Nação Portuguesa, que tantos heróis defenderam como o seu sangue ou alargaram com sacrifício de suas vidas. É a terra em que viveram e agora repousam esses heróis, a par de santos e de sábios, de escritores e de artistas geniais. A Pátria é a mãe de nós todos os que já se foram, os que vivemos e os que depois de nós hão de vir... (Livro de Leitura da 3ª Classe)
A identidade era um ato sagrado de amor incondicional, de defesa do solo sagrado e eterno, nem que fosse em troco da própria vida, os feitos dos antepassados deveriam inflamar no coração dos aqui nascidos e modelar comportamentos e virtudes.

Atualmente, o conceito está associado a ser ou não cidadão nacional. Para a administração do país, o que distingue os portugueses dos estrangeiros é a posse ou não do bilhete de identidade ou cartão de cidadão independentemente da religião, língua, raça, pensamento… O artigo 4.º da Constituição Portuguesa estipula: “São cidadãos portugueses, todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional”. O princípio básico da nacionalidade portuguesa é o ius sanguinis (direito de sangue), ou seja, é cidadão, o indivíduo filho de pai português ou mãe portuguesa. Em alguns casos específicos, tal direito é estendido aos netos. Pode ainda adquirir-se a nacionalidade pelo chamado ius solis (o direito ao solo), instituído pelo casamento e residência há mais de seis anos, ou mais recentemente, como parece querer institucionalizar-se pela pressão dos interesses económicos, pela aquisição monetária ou investimento em solo português. 

(a seguir nação, estado e pátria)

10 comentários:

mario carvalho disse...

caro José Mesquita

só é pena que este conceito de identidade nacional seja quase uma específicidade "nossa" e não extensiva à Espanha, França, Inglaterra, Alemanha , Republica Checa... etc etc ... Angola, Guiné, Brasil ... etc.. etc.............................

Aguardo a continuação , felicitando-o por recordar o que é um povo , o que é a memória e o que é uma razão da nossa existencia... embora o ideal fosse todo um mundo um só povo

abraço

abraço e bom ano

josé alegre mesquita disse...

Penso ser este um conceito que pode estender-se a todos os países.

Compreendo-o, porém se fôssemos todos um mesmo povo, este mundo não tinha muita graça.

Bom ano também para si. Abraço.

mario carvalho disse...

nem muita graça nem muita desgraça..

seria uma monotonia , pois graça é ausencia de desgraça ou vice versa

abraço

Fernando Gouveia disse...

Caro José Alegre Mesquita:
Antes de mais, votos de Bom Ano de 2014.
Algumas notas ao seu artigo sobre a identidade nacional. Começo por afirmar, como refere na resposta anterior, que a questão da identidade se coloca em todos os países. Aionda há dois anos, em França, o simples evocar dessa questão fez correr rios de tinta e ateou polémicas violentas entre o poder e a oposição, imaginando-se que, por detrás do pretexto, haveria a intenção de discutir problemas de imigração, muito mais do que identidades.
As três perspectivas que focou (identidade com a terra próxima, com a comunidade; aquisição de uma consciência de comunidade pela celebração de centenários de pessoas de referência ou, já agora, de acontecimentos de referência; e cidadania legal), são relevantes, mas, a meu ver, não completam o conceito. Podemos, no entanto, extrair delas elementos que seguramente contribuem para a formação da identidade.
A par do conceito de identidade, tem-se desenvolvido nos campos da demografia e da sociologia o conceito de pertença. Este conceito pretende responder a uma questão simples: em que condições uma determinada pessoa ou grupo de pessoas passam a sentir uma terra como a sua terra?
Mas este conceito parece mais restrito que a questão da identidade nacional, e tem mais que ver com a integração de populações de origem diversa que, após algum tempo de vivência em comum, sentem de algum modo aquilo a que já Cícero se referia com o adágio "ubi bene ibi patria".
Penso que a identidade nacional integra elementos geográficos, históricos e psicológicos: incluo entre os primeiros o território onde se nasce, cresce e vive e onde eventualmente se espera morrer, o local onde nasceram os antepassados, onde há proxinidade com outras famílias aparentadas ou não; entre os elementos históricos, a própria história vivida, a consciência da história comum (relembrada pelas celebrações a que se referiu e pelo próprio sistema de ensino), os usos e costumes e as tradições; Entre os elementos psicológicos há seguramente um pouco do sentimento de pertença, da ligação a um território ou a um local preciso, as memórias individuais e memórias transmitidas de geração em geração. Além disso, parece-me que a língua desempenha na consciência da identidade um papel fundamental. Já aqui se discutiu a questão da língua como forma especial de ver o mundo. Essa forma comum de ver o mundo faz seguramente parte da identidade. E é esse um elemento que imediatamente nos interpela quando, longe da terra, ouvimos alguém falar a nossa língua.

josé alegre mesquita disse...

Amigo Fernando Gouveia:

Muito obrigado pelo seu comentário.
Este primeiro escrito foi o lançamento do tema que penso ter grande atualidade. Os três primeiros exemplos que enuncio e transportam os conceitos de nacionalidade, patriotismo e cidadania pretendem servir para desbloquear uma discussão que tem de ser feita entre nós e na sociedade portuguesa. Claro que o conceito de identidade é muito mais abrangente, complexo e, essencialmente datado. O próximo escrito sobre nação, estado e pátria, quiçá ajude a esclarecer o meu propósito, ou talvez não...
A questão da língua, como bem disse, é essencial nesta temática porque ela é também o principal espelho do devir cultural, sociológico, histórico e normativo do país e é um elemento agregador das nações.
Gostaria muito de contar com a sua colaboração neste empreendimento que agora inicio no blogue, mas como é claro, já objeto de minhas reflexões há cerca de dois anos. Muito obrigado.

Anónimo disse...


Meus Caros,
- José Mesquita
- Fernando Gouveia

Muito interessante o tema abordado por JAM.
Espero a continuação para dar a minha opinião.

Também interessante é a resposta de FG.
Bem articulada, lúcida, focando pontos de muito interesse.

Como amante de tudo o que diga respeito à "raça", vou estar atento ao desenrolar dos temas propostos.

Voltarei.
CF

Anónimo disse...

Fernando Gouveia tocou num ponto fulcral, na verdadeira chave identitária de um povo: A LÍNGUA!
Espero pela continuação deste trabalho de fôlego com que o nosso amigo José Mesquita nos pretende presentear!
Aproveito para desejar aos outros comentadores ilustres e amigos, votos sinceros de um Novo Ano pleno de saúde e sucesso!

HR

Anónimo disse...

Caro JAM: Há muito tempo que tenho andado desligado deste seu tema, embora ele não me seja totalmente estranho.
Parece-me, no entanto, que, no seu texto, não é feita uma destrinça correta entre o "jus sanguinis" e o " jus soli". É que, ao contrário do que parece constar do texto,estes princípios estão em pé de igualdade na fundamentação teórica da atribuição da nacionalidade. Um sistema legal pode dar mais importância ao "jus soli" e um outro ao "jus sanguinis". O segundo atribui a nacionalidade, em princípio, aos filhos de um nacional. O segundo atribui a nacionalidade, em princípio, aos que nasceram num determinado território, independentemente da sua ascendência.
JLM

josé alegre mesquita disse...

Caríssimo JLM:
Muito obrigado pela sua participação e pelas achegas. Eu plasmei o que diz a Constituição Portuguesa e esses dois princípios, tem razão, estarão em pé de igualdade no nosso país. Não serei muito claro, porém se o texto não o afirma, também não o nega. Os dois direitos têm sido usados pelos estados conforme as conveniências de momento, como exemplo, em Israel o ius sanguinis foi o direito prevalecennte na aquisição da nacionalidade, enquanto ius solis é bastante limitado pelas razões conhecidas.

Anónimo disse...

Em igualdade, no nosso país, talvez não. Mas deixe lá. Pareceu-me ter dado menor importância ao jus soli, em abstrato.
JLM