26 agosto 2013

Por detrás da máscara do projeto Souto Moura



Espero ser a última vez que me refiro a este tema da barragem do Tua. Faço-o por alguns mitos criados e pela ausência de muitos factos na discussão pública. Utilizo o método de colocar os quesitos nos dois pratos de uma balança. Vamos à pesagem.

O que perdemos:

O vale do Tua, ecossistema ribeirinho único na Europa, ameaçado por esta construção da barragem, acrescido da irreversibilidade da “perda física” de parte da paisagem, chegando a colocar em risco o estatuto de Património Mundial da Humanidade.
Trinta quilómetros de via-férrea que garantiam a muitos carrazedenses transporte para Foz-Tua e Mirandela; uma linha férrea que foi arrojada obra de engenharia, com grande beleza, apreciada por portugueses e estrangeiros com alguns milhares de utentes por ano e detentora de grandes potencialidades turísticas.
Possibilidade de prejuízo para as vinhas durienses com as previsíveis alterações climáticas e ambientais e destruição efetiva de vinhedos e olivais, numa região em que metade da população se dedica à agricultura.

O que nos prometem:

Uma agência de desenvolvimento e um parque natural que serão subsidiados por 3 por cento da receita bruta da barragem, que, na prática são apenas 2,25%, pois um quarto das receitas irá para o Fundo da Diversidade. Grande parte dos fundos são para gastos de manutenção das estruturas e se observarmos o projeto do parque natural é uma mão cheia de muito pouco, com a agravante de todos os condicionalismos na gestão dos recursos turísticos, agrícolas, florestais, cinegéticos e piscícolas locais.

Vamos agora às falácias:

Primeira falácia: uma barragem potenciadora de turismo - Pura falácia a enganar uma população incauta, pois Portugal está cheio de albufeiras desertas de turistas. No Douro, em termos de projetos turísticos pouco mais se executou que um ou outro cais e assistimos impávidos e serenos à passagem de mais duzentos mil turistas por ano sem que mais-valias fiquem na área geográfica.

 Segunda falácia: um grande espelho de água - Como se não nos bastassem os existentes e sem qualquer benefício! Depois coisas que por aí falam do domínio do sonho e mesmo do delírio, completamente irreais: muitos barcos (de quem e para quê?), desportos náuticos (mas não os há nas grandes albufeiras do Douro) transporte fluvial para Mirandela, (para quem?), campos de golfe (onde?) …

Terceira falácia: a construção das barragens contribui para a riqueza nacional - As 12 obras previstas que incluem novas barragens e reforço de outras já existentes inclui uma engenharia financeira tipo "scut" cujo custo só vamos sentir daqui a uns anos de forma brutal. As obras vão produzir apenas o equivalente a três por cento de energia elétrica do país, mas vão custar ao Orçamento do Estado e aos consumidores muitos milhões de euros... 

Quarta falácia: energia mais barata - A conta da eletricidade vai, a prazo, incluir um agravamento de 10% para suportar este negócio "verde". As empresas elétricas receberão um subsídio equivalente a 30% da capacidade de produção, haja ou não água para produzir. Quanto ao denominado Centro eletroprodutor de Foz -Tua terá um incentivo estatal de € 13 000/MW/ano, perfazendo mais de 3 milhões/ano (portaria nº 251/2012 de 20 Agosto).

Quinta falácia: mais desenvolvimento local – As albufeiras do Douro contribuíram em 40% para a produção nacional de energia hidroelétrica, tornaram o rio navegável e consequentemente possibilitaram o fluxo turístico, domesticaram a impetuosidade invernosa do rio diminuindo as cheias na Régua e Porto e durante muitos anos possibilitaram a energia mais barata na cidade, mas do Porto. Isto é, somos contribuintes para um bem nacional, que é a energia elétrica e o turismo, mas o investimento e as mais-valias em termos locais foram pouco mais que zero. A eletricidade tem o mesmo preço do resto do país com a agravante de possuirmos uma das piores redes de distribuição com cortes constantes. O Douro continua a ser a região do país com piores índices de desenvolvimento. 

Sexta falácia: a EDP está interessada no desenvolvimento - A empresa é detida maioritariamente por interesses chineses. A história demonstra que esta elétrica sempre explorou o mais que pôde, utilizando a violência do Estado para expropriar de qualquer maneira a preços ridículos e dar pouco em contrapartidas.

Sétima falácia: O projeto Souto Moura trará mais visitantes à região - O projeto consiste em enterrar parte da infraestrutura que ninguém verá, mas a linha de muito alta tensão não pode ser escondida, produzindo um forte impacto na paisagem da região.

"Concluo que nenhuma compensação financeira pagaria as perdas. Porém, as contrapartidas são pouco mais que nada: uma diminuta produção de energia que não é relevante para o total nacional e uma mão cheia de nada para a região que vê degradar os seus principais recursos: o ambiente e a paisagem e que nenhum projeto de Souto Moura há de mascarar."

8 comentários:

AG disse...

Ótimo texto. Obrigado por expor tão bem aqui que também sinto.

josé alegre mesquita disse...

Obrigado Aníbal Gonçalves pela amabilidade. Não podemos deixar que nos comam por lorpas.

Anónimo disse...

Excelente post.
Faltam no entanto alguns pontos:
-Falácia da reserva de água: muita gente tem ideia que esta reserva de água vai ser útil para a agricultura e até para a médio prazo abastecer o concelho onde já se viu que a barragem da Fontelonga é incapaz de garantir água em todos os momentos. A verdade é que a edp não proíbe mas também não diz diretamente que permite a utilização da reserva de água. Esta omissão parece-me propositada.
-Outra falácia é o argumento utilizado é que "o que seria do Douro sem barragens" eu ponho a pergunta de outra forma "o que seria do Douro com uma barragem com 170 m de altura" .Os peixes nunca vão conseguir vencer um desnível tão elevado pelo que se poderá refletir na pesca.
Pergunto também onde está o desenvolvimento nas imediações das barragens? Foi construir e ir embora.
-Outra falácia e esta só com o tempo se verá é a questão da navegabilidade. Será possível a navegabilidade com as variações diárias de caudal? Mais que possível, será seguro? Vamos ver.

Para além disto a bombagem da água vai afectar o Douro a montante, apesar de estarem programadas intervenções no sentido de alargar o rio é possível que durante alguns períodos do ano (sobretudo no verão) a navegação no Douro a montante do Tua esteja condicionada. Note-se que não é a edp que realiza esta intervenção, ela é feita sim com dinheiros públicos (mais uma ajuda à edp, coitadinhos.

Relativamente à linha do Tua é pena só se ter acordado agora. Nunca fui um defensor da Linha nos moldes em que existiu a partir do momento em que entrou em funcionamento o metro de mirandela.
O que muita gente não pensou e que a edp não quis pôr cá fora por ser uma solução cara, apesar de justa e mais correta, foi passar a linha do Tua pelo vale de Ribalonga, onde se podia subir gradualmente, passando um pequeno túnel por baixo do castanheiro e fazendo uma estação aí a menos de 10 kms da sede de concelho. Isto para o turismo seria a peça que faltava para transformar o Tua na tal porta de entrada com ligação a autocarros, sendo que a partir do castanheiro a estrada é bem melhor e mais fácil de passar. O que falta ao Tua para ser essa tal porta de entrada é transporte, porque as pessoas vão ao Tua, e basta ir lá num fim de semana ou mesmo durante a semana no verão e vê-se a quantidade de gente que viaja na linha do Douro. Mas muita gente diz (e isto ouvi eu)"vimos aqui mas só há o restaurante, por isso ficamos no Pinhão". E o Pinhão é um exemplo a seguir. Basta passar lá de comboio e percebe-se a harmonia entre transportes que não acontece em Carrazeda.

Anónimo disse...

QUERO DEIXAR AQUI UM TRIPLO AGRADECIMENTO: AO JOSÉ ALEGRE MESQUITA, QUE COLOCOU DE FORMA CLARÍSSIMA, OS PONTOS NOS IIS EM RELAÇÃO A ESTE POLÉMICO ASSUNTO; AGRADECIMENTO AO PRIMEIRO COMENTADOR (Aníbal Gonçalves) e ao terceiro comentador (anónimo de seg. Ago 26, 09.55.00 PM). De facto, estamos em sintonia em relação a este tema tão importante para o futuro desta região. Estranho, é o silêncio de um tal Nelson não sei quê que nos tem encharcado aqui de "baboseiras" transformadas em promessas ridículas...
É assim mesmo, Zé Mesquita!
Abraço.
HR

Fernando Gouveia disse...

Boa análise, JAM! Concordo com a sua opinião de que as barragens servem para produzir lucros e progresso noutros lados, que não no local onde são construídas. Aí, quando muito, haverá alguns empregos temporários, explorados em condições nada dignificantes, como se noticiou há pouco tempo a propósito de uma inspecção do trabalho, habitualmente por pequenos subempreiteiros esmagados por empreiteiros mais poderosos. Feita a barragem, ficaremos certamente mais pobres, para outros crescerem à custa de um bem público fundamental nos tempos que correm: a qualidade do ambiente.

Anónimo disse...

As verdades devem ser ditas de uma forma clara. o que está a ser feito ao rio tua é um crime,(por uns trocos)e os criminosos devem ser punidos, algo que nunca vai acontecer.
Parabéns pelo texto e sobretudo pela coragem de o dizer nos dias que correm...

assin. João (habitante do concelho)

Anónimo disse...

Atentas as falácias reais, apontadas em comentário atrás, que nos dirá o edil cá do burgo, agora em obras?

Anónimo disse...

caros amigos

Não façam dos "jagunços"~, desconhecidos, a soldo sabe-se lá de que interesses mas imaginamos, "bestas " importantes..

Se quiserem , referenciem-nos e responsabilizem-nos se não cumprirem as suas promessas, ou ergam-lhes estátuas se .. as cumprirem

abraço e até sempre

mario carvalho