27 maio 2013

Promessas



Era assim. Muitas promessas. Cumpridas. 
Prometia-se a Deus e aos seus santos por tudo e mais alguma coisa, e até, por quase nada. Prometia-se pelos “seus”, pelos parentes e amigos. Prometia-se pela boa saúde, pela cura e restabelecimento da saúde. Prometia-se pelos animais, pelas colheitas e pela defesa do património. Prometia-se pelo sucesso do filho no exame da quarta classe, pela boa parição da burra, pela salvaguarda dos incêndios do cereal. Prometia-se ao Divino Espírito Santo, ao Sagrado Coração de Jesus, ao Doce Coração de Maria, à Milagrosa Divina Santa Eufémia da Lavandeira, à Santa Luzia de Besteiros, à Senhora da Costa do Seixo de Ansiães, à Senhora da Assunção do Cabeço em Vilas Boas, a Nossa Senhora de Fátima.... Prometia-se aos santos dos altares da nossa Igreja ou das nossas capelas. Prometia-se uma novena, uma missa ou um qualquer ato religioso. Prometia-se dinheiro, uma vela, um litro de azeite, um alqueire de cereal, um cântaro ou um almude de vinho. Prometia-se um sacrifício à volta da igreja ou da capelinha, de joelhos, descalço, de braços abertos, de rastos... Prometia-se e cumpria-se. Religiosamente. A promessa não podia deixar de ser cumprida, porque era mais grave o não cumprimento, que o não prometimento. Assim, no decurso do exame do filho, enquanto persistia a doença da “cria”, decorria o parimento do vitelo, do potro e do bebé acende-se uma vela a Nossa Senhora das Dores, que “nunca deixou de me valer nas aflições”; para que a trovoada vá para longe e não estrague a vinha; enquanto o cereal está enrolheirado no restolho e na eira alumio a Igreja com o azeite que o Santíssimo Sacramento me ajudou a colher; se mo conservou hei de oferecer ao São Gregório um alqueire de cereal; para que Nossa Senhora nunca deixe de me conservar o “requinho” ofereço um salpicão e uma chouriça, aquando da arrematação do ramo; pelo parto rápido e pouco doloroso ofereço uma novena ao Senhor dos Passos, pelo rápido restabelecimento da perna partida, prometo uma perna de cera à milagrosa Santa Eufémia; para que Santa Luzia me conserve a vista todos os anos lhe hei de oferecer um quartilho de azeite; nas horas de mais sofrimento pelo padecimento da doença e pela dor dilacerante, ofereço eu, a mãe, o pai e os irmãos, uma, duas três voltas de joelhos… à roda da capela do Cabeço. Nesse dia determinado do ano, uma, duas, três vezes, todos os anos em que se viva, porque “é a fé que nos cura, nos vale e nos salva”.
Isso era antes. Agora as promessas são outras e não se cumprem.

3 comentários:

Anónimo disse...


Caro JAM

Para o seu escrito, uma única frase de Friedrich Nietzsche:

"Deus está morto: mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existirão grutas em que se mostrará a sua sombra".

Ou esta outra de Fernando Pessoa:

"Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária".

CF

Anónimo disse...

ghd straighteners The entire town of Apopka seemingly showed up for the Blue Darters first trip to the state finals in 11 years. ghd straighteners

Anónimo disse...

Tudo o que escreve JAM era rigorosamente verdade e o que nos tem perdido é deixarmos de resolver os problemas através da fé( a única autêntica, sincera, simples era a de antanho) e passarmos a resolvê-los através da ciência, que,se não é contrária à fé,é-lhe totalmente indiferente.
Deixe que lhe diga que as promessas hoje não são feitas pelos necessitados mas pelos falsos deuses, que, como falsos que são, não conseguem fazer milagres e ficam desacreditados.
Mas o nosso cérebro há-de,por muito tempo, estar habitado por falsos deuses,semelhantes às sombras do Nietzche e do CF.Porque somos limitados e teremos eternamente necessidade da crença.
Quanto à sinceridade reside mais na convicção dela do que em algo de objectivo:por isso, ela muda com a convicção do momento.
JLM