31 julho 2012

Me diga… me faça o favor… (Carlos Fiúza)


III – Brasileirismos, neologismos e prosódia
Uma grande ilusão é supor que o maior perigo que a nossa Língua está correndo no Brasil é a crescente diferenciação vocabular por meio da vitalidade neológica.
Sosseguemos.
O argumento (assaz aproveitado pelos inimigos brasileiros da intangível “realidade portuguesa” no falar brasílico) de que a multiplicação irreprimível de vocábulos novos produzirá, mais tarde ou mais cedo, uma língua própria determinante da necessidade de se “traduzir” o português para o “brasileiro” e vice-versa - é um argumento filologicamente infantil.
Dentro do âmbito da nossa própria nação se verificam grandes e flagrantes diferenças vocabulares em denominações aplicadas à mesma coisa.
Alguns brasileiros (e também alguns portugueses e estrangeiros menos informados) costumam dizer que “a língua do Brasil já não é a portuguesa, porque a pronúncia é diferente”.
Este argumento prosódico não colhe…
Por exemplo, no mundo da língua inglesa esta simples palavra “YES” é pronunciada de várias formas: iess, iâss, iah.
No entanto, trata-se sempre da mesma estrutura inglesa.
English é a língua que se fala no Reino Unido; mas English é igualmente a que se fala nos Estados Unidos da América do Norte, onde o “slang” predomina.
Veja-se que, por exemplo, se o norte-americano diz “pants”, o inglês prefere “drawers”; se aquele sobe no “elevator”, este prefere o “lift”. Mas ambos falam English.
O “All right” europeu passou a “O.K.” americano.
Ao outono por ser a estação em que as folhas caem (the leaves fall) chama-se, precisamente, “Fall”, isto é, queda, em vez de “Autumn”, outono.
Em vez de “Manager, Principal, Chief”, na América engendrou-se, com termo holandês, a palavra “Boss”.
No entanto, além destes e outros americanismos, homens de ciência não deixam de aplicar aos seus trabalhos o adjetivo “English”.
É o caso do “American Dictionary of the English Language”, por exemplo.
Portugal continental é pequeníssimo: uma nesga de terra. Pois, mesmo assim, quantas e quantas diferenças tem nas suas falas!
Portanto, no próprio âmbito nacional de uma língua há diferenças, por vezes profundas.
Que admira, pois, que o Portugal transcontinental tenha diferenças?
Mas (alegam alguns Brasileiros mal preparados) as diferenças entre Portugal e Brasil são enormes.
Engano.
Muita diferença que julgam só brasileira… é também portuguesa.
O Brasileiro diz “rosêra” e o Português “rosáira” (roseira)?
Também o Alentejano e o Algarvio dizem como o Brasileiro.
No Brasil diz-se “ministro”, e em Lisboa “menistro”. Também no Porto e em todo o norte de Portugal se diz “ministro”.
Alega-se que Portugal profere “pescóços” e o Brasil “pescôços”. Não é verdade, pois correntemente o que se diz em Portugal é “pescôços”, como no Brasil.
”Bonecra” (em vez de boneca), “sube” (em vez de soube), não são apenas corruptelas brasileiras, mas também portuguesas.
E a lista seria interminável…
Afirmou o escritor português (muito querido no Brasil) Eça de Queiroz que a língua no Brasil é “português com açúcar”.
Ora, eu pergunto: o café deixa de ser café só por se adoçar?
Pois foi o que aconteceu ao Português: os Brasileiros deitaram-lhe o açúcar da sua pronúncia.
Suponhamos que uma valsa ou um hino é tocado por diferentes instrumentos. Deixa de ser valsa ou hino por causa disso?
Se no Brasil há certas tendências como a do e para i (qui diabo), etc. também cá na nossa capital gostamos mais de ler “menistro”, ao passo que no Norte se prefere “ministro”, o que não quer dizer que a língua não seja sempre a mesma - portuguesa.
É curioso aludir ainda que algumas “deturpações e corruptelas” do falar brasileiro se podem notar igualmente no linguajar do nosso povo.
Ouve-se cá igualmente: bonecra (=boneca), Zé, tamém (=também), deti (=detive), entreti (=entretive), manti (=mantive), baxo (=baixo), caxa (=caixa), brasilêro (=brasileiro), rosêra (=roseira), sube (=soube), inté (=até), inducado (=educado), mánica (=máquina), etc., etc.
Trata-se, aliás, de modificações fonéticas e morfológicas comuns, o que só prova que as leis modificadoras são as mesmas, cá e lá, e que lá e cá se fala português.
Tenho aqui os Lusíadas. Abro-o na estância 418, canto IV, e leio:
“… Os muros abaxaram de Diamante.”
É, pois, bem lusíada a queda fonética do i que em bocas brasileiras continua a correr normalmente, e não descuidadamente.
É minha convicção que na evolução do português universal e, particularmente, do português do Brasil, não se operou por vezes uma progressiva diferenciação, mas antes se manteve uma regressão para jeitos sintáticos do tempo da colonização, os quais hoje estão pouco frequentes no falar português geral.
A Língua não é só passado e, portanto, se ela, no Brasil ou algures, ganhar jeitos especiais, paciência.
Só nos cabe registar os factos e, procurando determinar-lhes a causa ou causas, não nos perdermos a barafustar inutilmente contra tais realidades, desde que elas se mostrem invencíveis, fatais.

“Acordo?
“... Cadê a incompatibilidade das diferenças?

“Mê diga… me faça o favor…”

 
Carlos Fiúza

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