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Ir
à feira é aproveitar para ir aos Paços do Concelho tratar do pagamento das
contribuições, ir ao notário, ao registo civil, ao hospital, ao barbeiro, ao
fotógrafo… Eu sei lá… tudo o que for preciso porque há que aproveitar a viagem;
e porta por onde se entre, encontra tudo cheio a abarrotar de impaciências.
Para
os mais novos a possibilidade de ir á feira é sempre remota por causa da
escola. No regresso esperam-no o miminho que a mãe ou o pai trazem no bornal: a
roca das primeiras cerejas, a bola sovada, o pião, ou as calças, os sapatos
novos de que se levou a medida no pauzinho cortado ao tamanho do pé.
A feira é também uma montra de cromos e postais
humanos: o pedinte à porta do Café Central que chocalha o pucarinho e pede uma
moeda “por alma de quem lá tem”; o ceguinho e acompanhante que trocam modinhas
na guitarra por uma esmolinha, e comercializa impressos de versos e tragédias
por um tostão; o homem da vermelhinha que desafia os incautos, para uma partida
que sempre se revela proveitosa para o artificioso; o cigano que bate o copo
dos dados ma mesa da batota, com um olho na GNR e outro nos que lhe rodeiam o
jogo; o tendeiro de microfone ao peito embrulhado num lenço, não quer vender um
cobertor por cem mil réis, mas, por fim, “não um , nem dois, mas”, perde a
cabeça e oferece, “que é para acabar” uma carrada de cobertores, de toalhas de
cozinha, de lençóis, pela mesma nota, “uma bagatela, sim senhor”; o senhor
doutor, o senhor padre, o senhor presidente, o senhor funcionário… que passam
impantes da sua importância, atentos a quem lhes tira o chapéu… Não raras vezes
uma ou outra altercação redunda em zaragata pelo excesso de álcool, pela
teimosia de um negócio ou na vingança de tratos da feira passada, que a chegada
da guarda ou tão só a intervenção dos
populares resolve quase sempre facilmente.
(continua)
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