“Analisar-mos os factos pelo prisma da sua subjectividade pode ajudar-nos a ver o mundo com mais optimismo e resignação” ( ?).
Temos tido sorte com a chegada do Inverno, com temperaturas amenas. Não podemos contudo esquecer o rigor que não tardará e com ele aquele atrofiamento físico e mental que, não mata mas corrói. Havia quem dizia que “por aqui ou se morre de pasmo ou de cirrose”. Pelos vistos parece já não ocorrer morrer-se de fome física, só anímica. Eu acrescento que talvez a morte por cirrose seja para já a única opção individual a aceitar-se como passível. Isto enquanto não for proibido beber.
Com efeito, se a dinâmica do calor do Verão com os seus dias de sol, nos trás alguma luz e optimismo, em contrapartida o Inverno, remete para o atrofiamento e a estagnação. A máquina montada parece que no Inverno se sente mais perfeitamente. O marasmo que transporta parece contribuir, com o frio, para estupidificar, ainda mais lentamente, o correr do tempo. Parece que para se usar a nossa condição de seres pensantes se exige ainda mais esforço e vitalidade. Com nada de válido acontece ao redor, repercute-se com mais nitidez no colectivo, a pobreza e monotonia dos gestos e ideias feitas. Perante a falência pública, cultural e cívica, apenas ficam réstias de sinais de descontentamento que rapidamente se dissolvem na invernia. Valha-nos o futebol e a expectativa, todas as semanas acrescentada, da hipótese da saída do Totoloto.
Congelados pelo frio e rigor dos tempos, percorrer-se-á mais um Inverno como que hipnotizados e cegos pela diminuição da luz.
E assim o povo aceita com mais docilidade a ilusão que lhe é pregada do ideário dominante.
O que prevalece é exactamente a estratégia de organizar ordeiramente o tédio e a futilidade colectivos. Importa perdurar o reinado com a certeza de que entre a gleba sobressaem os que aceitam com naturalidade a imbecilidade.
No meu casulo sinto-me então um privilegiado. Sei do passado e dá-me prazer recordá-lo. Recordar o tempo vivido a crescer observando com curiosidade as coisas simples e singelas da minha terra. Recordar as relações que criei e as experiências que tive. Essa experiência ensinou-me, noutras circunstâncias, a saber tirar partido dos sentido e a valorizar na sua amplitude a audição, a vista, o tacto e o olfacto. Ainda hoje me consigo deixar-me absorver pela contemplação de uma noite estrelada, pela observação do voo de uma ave, pelo cheiro da terra em inicio de trovoada, pelo barulho da chuva nos beirais, pela fragrância das flores do jardim, pelo pôr do sol recortado na montanha. É esta a felicidade que ainda encontro na minha terra. Não é a riqueza nem o reconhecimento que aqui me traz fortuna ou contentamento. Gostaria de partilhar com outros este meu contentamento, esta liberdade e perfeição mas, não sendo possível que exista ao menos para mim.
Pouco ligo por isso ao chamado “ bom tempo”, pois qualquer tempo é bom e agradável, quando se sabe abrir os olhos e a alma.
Tenho para mim contudo que apesar de tudo, ninguém é tão pobre espiritualmente que não possa pelo menos uma vez ao dia, “olhar o céu e ter uma ideia viva e boa, elevada e construtiva”. O passo seguinte será o de saber e gostar de a partilhar com todos.
Hélder Carvalho
Temos tido sorte com a chegada do Inverno, com temperaturas amenas. Não podemos contudo esquecer o rigor que não tardará e com ele aquele atrofiamento físico e mental que, não mata mas corrói. Havia quem dizia que “por aqui ou se morre de pasmo ou de cirrose”. Pelos vistos parece já não ocorrer morrer-se de fome física, só anímica. Eu acrescento que talvez a morte por cirrose seja para já a única opção individual a aceitar-se como passível. Isto enquanto não for proibido beber.
Com efeito, se a dinâmica do calor do Verão com os seus dias de sol, nos trás alguma luz e optimismo, em contrapartida o Inverno, remete para o atrofiamento e a estagnação. A máquina montada parece que no Inverno se sente mais perfeitamente. O marasmo que transporta parece contribuir, com o frio, para estupidificar, ainda mais lentamente, o correr do tempo. Parece que para se usar a nossa condição de seres pensantes se exige ainda mais esforço e vitalidade. Com nada de válido acontece ao redor, repercute-se com mais nitidez no colectivo, a pobreza e monotonia dos gestos e ideias feitas. Perante a falência pública, cultural e cívica, apenas ficam réstias de sinais de descontentamento que rapidamente se dissolvem na invernia. Valha-nos o futebol e a expectativa, todas as semanas acrescentada, da hipótese da saída do Totoloto.
Congelados pelo frio e rigor dos tempos, percorrer-se-á mais um Inverno como que hipnotizados e cegos pela diminuição da luz.
E assim o povo aceita com mais docilidade a ilusão que lhe é pregada do ideário dominante.
O que prevalece é exactamente a estratégia de organizar ordeiramente o tédio e a futilidade colectivos. Importa perdurar o reinado com a certeza de que entre a gleba sobressaem os que aceitam com naturalidade a imbecilidade.
No meu casulo sinto-me então um privilegiado. Sei do passado e dá-me prazer recordá-lo. Recordar o tempo vivido a crescer observando com curiosidade as coisas simples e singelas da minha terra. Recordar as relações que criei e as experiências que tive. Essa experiência ensinou-me, noutras circunstâncias, a saber tirar partido dos sentido e a valorizar na sua amplitude a audição, a vista, o tacto e o olfacto. Ainda hoje me consigo deixar-me absorver pela contemplação de uma noite estrelada, pela observação do voo de uma ave, pelo cheiro da terra em inicio de trovoada, pelo barulho da chuva nos beirais, pela fragrância das flores do jardim, pelo pôr do sol recortado na montanha. É esta a felicidade que ainda encontro na minha terra. Não é a riqueza nem o reconhecimento que aqui me traz fortuna ou contentamento. Gostaria de partilhar com outros este meu contentamento, esta liberdade e perfeição mas, não sendo possível que exista ao menos para mim.
Pouco ligo por isso ao chamado “ bom tempo”, pois qualquer tempo é bom e agradável, quando se sabe abrir os olhos e a alma.
Tenho para mim contudo que apesar de tudo, ninguém é tão pobre espiritualmente que não possa pelo menos uma vez ao dia, “olhar o céu e ter uma ideia viva e boa, elevada e construtiva”. O passo seguinte será o de saber e gostar de a partilhar com todos.
Hélder Carvalho
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