26 setembro 2004

Concurso de professores: atestados "ilegais" ou a desonestidade compensa?

O grande número de atestados médicos apresentados pelos professores nos novos concursos deste ano indicia ilegalidades e adultera a lista de graduação profissional, pois todos que os apresentaram têm prioridade sobre os outros na colocação, bem como prejudica aqueles que de direito reúnem as condições para tal. O número de pedidos de destacamentos por condições específicas (doença incapacitante) apresentados fala por si: em Vila Real, Chaves e Portalegre cerca de 80% dos candidatos, em Bragança mais de 50%, em todo o país 8985 docentes (Público 14 de Setembro), quase um quinto de total de 50 000 que concorrem nos quadros de zona pedagógica estão incapacitados. Está posta em causa a justiça na colocação dos docentes, há indícios fortes de fraude e poder-se-á concluir que deixou de ser necessário o mérito, pois bastará este expediente manhoso.
A eventual utilização fraudulenta da figura do destacamento deveu-se a diversos factores que contribuíram para a trapalhada geral que presidiu à implementação do novo articulado legal de colocação de professores.
1. Os processos foram apresentados nos agrupamentos que aceitaram todas as situações, mesmo aquelas que a legislação não contempla. Se tivesse havido aqui uma primeira triagem, muitos casos seriam imediatamente indeferidos.
2. O destacamento para obter condições específicas contempla os docentes que sejam portadores de doença incapacitante nos termos do Despacho Conjunto n.º A-179/89-XI, de 12 de Setembro, publicado no Diário da República, II série, n.º 219, de 22 de Setembro de 1989. A nova legislação abriu o leque de critérios para pedir o destacamento por condições específicas, o Decreto-Lei 35/2003 (que legisla sobre os concursos) permite, nomeadamente, pedir o destacamento também no sentido do apoio a ascendentes, enquanto anteriormente estava limitado aos descendentes.
3. O conjunto de doenças invalidantes é ele propício a duplos sentidos, pois muitas das enfermidades referenciadas, como ouvimos noticiado, reportam a doenças de coluna, hipertensão, otites, asma, distúrbios do sistema nervoso e outros tais que contabilizados e aberto o leque a familiares perspectivariam ser incluídos a quase totalidade da população docente portuguesa.
4. A insegurança e instabilidade profissional, aliada ao “nacional desenrascanço” e à “esperteza saloia” dos portugueses, transformaram este processo numa bola de neve. Uns foram encorajados pelos outros. Algumas escolas e estruturas sindicais estimularam o método e em muitos consultórios médicos devidamente sinalizados encheram-se de bichas para responder a todas as “necessidades”, engordando os bolsos. Fala-se de alguns terem emitido mais de meia centena de atestados a pedido e no espaço de algumas horas.
Esta situação, confirmadas as suspeitas, é muito injusta e intolerável e poderá ter deixado de ser prioritária, para os serviços de inspecção do ministério da educação, a rigorosa avaliação de todos os casos, pois agora o que interessa é iniciar o ano lectivo e desta forma afrouxar-se e até abandonar-se a fiscalização necessária.
Se neste processo de concurso, como o afirmou David Justino houve um pouco de tudo “negligência, desorganização e incompetência” (Expresso) e erros “imperdoáveis” (Público), confirmada esta nova realidade, acresce tornar-se também numa indignidade perversa sem memória em concursos públicos.

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