30 setembro 2016

As quintas no Douro


A maior parte das quintas do Douro estabelece-se na segunda metade do século XVIII. No século seguinte, já os vinhos das quintas se vendiam em Inglaterra. As marcas com os nomes das quintas vão-se impondo principalmente na segunda metade de novecentos.
Com a filoxera obriga à venda a preços de saldo dos terrenos do Douro e é por essa razão que os comerciantes de Vila Nova de Gaia entraram em força no Douro.[1] “O modelo das quintas mantém-se grosso modo intacto desde o século XVIII. Os edifícios principais são feitos contra um socalco. Integram uma casa principal – a casa do patrão. Atrás desta fica a adega, tradicionalmente servida de lagares de granito. Por baixo da casa situam-se os armazéns, que aproveitam as leis da gravidade para o transporte do vinho”. (Cf. Bessa, Luísa e Carvalho, Manuel, “O Douro das Quintas” in Público Magazine”, n.º 188 de 10 de Outubro de 1993, p. 29) Normalmente, a quinta inclui também a casa para os caseiros e para os trabalhadores sazonais que são autênticos depósitos para “animais” como Torga retrata no romance “As Vindimas”. Há modestas casas até à versão de solar, onde a influência inglesa é marcante. D. Antónia Ferreira, “a Ferreirinha” deixa à data da sua morte, em 1896, 24 quintas aos seus herdeiros. No mapa do barão de Forrester em 1852 são referidas no Douro 79 quintas. De acordo com A. L. Pinto da Costa, Carrazeda de Ansiães possuía 27 quintas em 1943 para um total no Douro de 827.
Como conto em “Selores… e uma casa, «Depois da escola primária obrigatória começa a idade para trabalhar e ganhar o sustento para si e a família. Os poucos que escapavam iam para o ciclo preparatório da vila ou do seminário; os outros iam para o “ciclo” das quintas. Começava-se como “moço” e o trabalho consistia em servir á frente dos bois e fazer os recados. Ir buscar a água, o vinho, a comida, o que lembrasse ao caseiro ou ao feitor.
A procura do trabalho nas quintas do Douro era muito inferior à oferta. Com o coração cheio de esperança, lá se ia a caminho das quintas dos "Canais", da "Espanhola", da "Senhora da Ribeira", do "Ministro", do "Eng.º Faria", do "Chaves", do "Comparado", dos "Carris", do "Gouveia", do "Carvalho", do "Zimbro"... Traçada no ombro, transportava-se a enxada que deveria ter um tamanho razoável, pois, de contrário faria torcer a “beiça” do feitor (sempre “implacável e cruel”); a tiracolo o saco de linho ou de serapilheira com o pão de centeio duro e amargo; nos lábios e no olhar a súplica do “Arranje-me lá trabalho pela alminha de quem já lá tem”. Caído no goto do “carrancudo” feitor lá vendia o suor e a alma por 25 tostões.
Eram “felizes” os admitidos. A jorna era de sol a sol quer chovesse, quer nevasse ou o sol desancasse. O trabalho de empreitada não admitia demoras, nem atrasos. O que se ficava para trás na função da poda, da cava ou descava, da redra… pagava com a vergonha do desconto no salário, a possibilidade de ser posto “em marcha” ou, principalmente, o constrangimento perante os seus pares. Irmanados na “miséria”, eram cruéis neste tipo de desgraça do próximo.
Para acompanhar o pão rijo levado de casa era servido o “caldo" de feijão ou feijoca, aguado, desenxabido e temperado, não poucas vezes, com as larvas do dito e o unto rançoso. À noite, doridos do trabalho e depois da mistela sorvida com grandes tragos, deitavam-se como o “gado” e a monte no “cardanho”, onde percevejos e piolhos se refastelavam com o “sangue quente da manada”. Anestesiados com o cheiro nauseabundo e extenuados pela dureza da "jorna", depressa dormiam. Recebido o “pré”, o seu fado era igual aos que foram “rejeitados”. Continuavam igual - os mesmos desgraçados.»



[1] Cf. Bessa, Luísa e Carvalho, Manuel, “O Douro das Quintas” in Público Magazine”, n.º 188 de 10 de Outubro de 1993, p. 29.

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