(...)
"Em tudo isto acompanháramos a Europa, a par do movimento geral. Numa coisa, porém, a excedemos, tornando-nos iniciadores: os estudos geográficos e as grandes navegações. As descobertas, que coroaram tão brilhantemente o fim do século XV, não se fizeram ao acaso. Precedeu-as um trabalho intelectual, tão científico quanto a época o permitia, inaugurado pelo nosso infante D. Henrique, nessa famosa escola de Sagres, de onde saíam homens como aquele heróico Bartolomeu Dias, e cuja influência, directa ou indirectamente, produziu um Magalhães e um Colombo. Foi uma onda que, levantada aqui, cresceu até ir rebentar nas praias do Novo Mundo. Viu-se de quanto eram capazes a inteligência e a energia peninsulares. Por isso a Europa tinha os olhos em nós, e na Europa a nossa influência nacional era das que mais pesavam. Contava-se para tudo com Portugal e Espanha. O Santo Império alemão oferece a orgulhosa coroa imperial a um rei de Castela, Afonso, o Sábio. No século XV, D. João I, árbitro em várias questões internacionais, é geralmente considerado, em influência e capacidade, como um dos primeiros monarcas da Europa. Tudo isto nos prepara para desempenharmos, chegada a Renascença, um papel glorioso e preponderante. Desempenhámo-lo, com efeito, brilhante e ruidoso: os nossos erros, porém, não consentiram que fosse também duradouro e profícuo. Como foi que o movimento regenerador da Renascença; tão bem preparado, abortou entre nós mostrá-lo-ei logo com factos decisivos. Esse movimento só foi entre nós representado por uma geração de homens superiores, a primeira. As seguintes, que o deviam consolidar, fanatizadas, entorpecidas, impotentes, não souberam compreender nem praticar aquele espírito tão alto e tão livre: desconheceram-no, ou combateram-no. Houve, porém, uma primeira geração que respondeu ao chamamento da Renascença; e enquanto essa geração ocupou a cena, isto é, até ao meado do século XVI, a Península conservou-se à altura daquela época extraordinária de criação e liberdade de pensamento. A renovação dos estudos recebeu-a nas suas Universidades novas ou reformadas, onde se explicavam os grandes monumentos literários da Antiguidade, muitas vezes na própria língua dos originais. Entre as 43 Universidades estabelecidas na Europa durante o século XVI, 14 foram fundadas pelos reis de Espanha. A filosofia neoplatónica, que substituía por toda a parte a velha e gasta escolástica, foi adoptada pelos espíritos mais eminentes. Um estilo e uma literatura novos surgiram com Camões, com Cervantes, com Gil Vicente, com Sá de Miranda, com Lope de Vega, com Ferreira. Demos às escolas da Europa sábios como Miguel Servet, precursor de Harvey, filósofos como Sepúlveda, um dos primeiros peripatéticos do tempo, e o português Sanches, mestre de Montaigne. A família dos humanistas, verdadeiramente característica da Renascença, foi representada entre nós por André de Resende, por Diogo de Teive, pelo bispo de Tarragona, Antonio Augustin, por Damião de Góis, e por Camões, cuja inspiração não excluía uma erudição quase universal. Finalmente, a arte peninsular ergue nessa época um voo poderoso, com a arquitectura chamada manuelina, criação duma originalidade e graça surpreendentes, e com a brilhante escola de pintura espanhola, imortalizada por artistas como Murillo, Velásquez, Ribera. Fora da pátria guerreiros ilustres mostravam ao mundo que o valor dos povos peninsulares não era inferior à sua inteligência. Se as causas da nossa decadência existiam já latentes, nenhum olhar podia ainda então descobri-Ias: a glória, e uma glória merecida, só dava lugar à admiração.
Deste mundo brilhante, criado pelo génio peninsular na sua livre expansão, passamos quase sem transição para um mundo escuro, inerte, pobre, ininteligente e meio desconhecido. Dir-se-á que entre um e outro se meteram dez séculos de decadência: pois bastaram para essa total transformação 50 ou 60 anos! Em tão curto período era impossível caminhar mais rapidamente no caminho da perdição.
Antero de Quental - "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos"
22 comentários:
A visão de Antero é um tanto redutora. Ela só tem em consideração uma parte das sociedades portuguesa e espanhola: a nobreza e a burguesia. Para ele, os mais pobres e analfabetos não contam, porque sempre viveram à margem, dispersos pelos vários cantos do país e até às portas mas fora das cidades e da vida citadina. Se ele tivesse sido mais abrangente, a sua visão teria sido mais negativa.
Por isso é que considero que nunca fomos um povo (incluindo todas as pessoas) com um nível tão alto como o que actualmente temos.
E, para demonstrar isso, basta olharmos para a expansão do ensino, da saúde, da cultura. Basta olharmos para o actual nível geral (comparado com o passado) da higiene, da alimentação, das vias de comunicação, etc..
Ainda há pouco tempo, tive oportunidade de assistir no Conservatório de Coimbra a espectáculos maravilhosos, proporcionados por jovens portugueses (o que era impensável há bem pouco tempo).
Constituiremos, não tenho dúvidas, dentro de pouco tempo, um povo civilizado, desenvolvido e com um espírito de corpo nunca antes atingido.
JLM
Salvo o devido respeito, penso que JLM não tem razão ao classificar tão levianamente o grande Antero de Quental. De facto, quando JLM afirma que Antero tem "uma visão redutora", é de bradar aos céus! Basta ler a obra dele. Depois, quando afirma que a visão dele (Antero) "só tem em consideração uma parte da sociedade portuguesa e espanhola: a nobreza e a burguesia" e mais concretamente quando afirma que "para ele, os mais pobres e analfabetos não contam...", permita-me que o remeta para o seguinte extrato de Antero de Quental (Dezembro/1865):
"Mas a nação, a nação verdadeira, não sois vós, senhores do funcionalismo, parasitas, ociosos, improdutivos. A nação portuguesa são três milhões de homens que trabalham, suam, produzem, activos e honrados, que vivem não segundo a moral dos especuladores, mas segundo a lei do dever e da consciência. Esse, o verdadeiro povo, tanto aprova os vossos feitos e os vossos dizeres, que não conhece os vossos governos senão para os maldizer, e aos vossos grandes homens, aos homens de convenção, nem sequer lhes sabe os nomes obscuros (...) Oh! meus pobres amigos da província! pobres homens que sois os que trabalhais e fecundais o solo, cujo melhor fruto devoram esses senhores inúteis..."
Caro JLM, em face do exposto, rogo-lhe que tenha mais atenção ao classificar um dos maiores vultos da cultura portuguesa.
Os meus cumprimentos.
h. r.
Antero de Quental tenta explicar as razões do atraso português, e do espanhol, desde o século XVII.
Para ele as causas são três:
1) a reacção religiosa, conhecida como Contra-Reforma, consumada no Concílio de Trento e dirigida pelos jesuítas;
2) a centralização política realizada pela monarquia absoluta, com a consequente perda das liberdades medievais, e
3) o sistema económico criado pelos descobrimentos, de rapina guerreira, que tinha impedido o desenvolvimento de uma pequena burguesia.
A conferência sistematiza teses apresentadas também por Alexandre Herculano, tendo exercido posteriormente uma grande influência, sobretudo em Oliveira Martins, que escreverá a História da Civilização Ibérica e a História de Portugal, em 1879, e o Portugal Contemporâneo, em 1881, tendo como base as teses de Antero e de Herculano.
A razão desta citação, sem querer fazer um paralelismo do final do século XIX para a actualidade, deve promover a reflexão.
Aqui chegados, muitas das razões apontadas podem ser facilmente actualizadas. O país vivia sem o ouro do Brasil e após a revolução liberal, archote de esperança no progresso, quedava-se na indolência, na depressão e na pobreza: "Lisboa era uma capital de fidalgos ociosos, de plebeus mendigos, e de rufiões."
Lendo Antero, para mim tornou-se mais fácil compreender...
"Lisboa era uma capital de fidalgos ociosos, de plebeus mendigos, e de rufiões."
..............
http://o-povo.blogspot.com/2011/04/foi-pedido-o-resgate.html
Artigo de opinião de Medina Carreira... o amargurado, o bota abaixista, o azedo .. enfim o REALISTA
FOI PEDIDO O RESGATE
Bom, dado o que está em causa é tão só o futuro dos nossos filhos e a própria sobrevivência da democracia em Portugal, não me parece exagerado perder algum tempo a desmontar a máquina de propaganda dos bandidos que se apoderaram do nosso país. Já sei que alguns de vós estão fartos de ouvir falar disto e não querem saber, que sou deprimente, etc, mas é importante perceberem que o que nos vai acontecer é, sobretudo, nossa responsabilidade porque não quisemos saber durante demasiado tempo e agora estamos com um pé dentro do abismo e já não há possibilidade de escapar.
Estou convencido que aquilo a que assistimos nos últimos dias é uma verdadeira operação militar e um crime contra a pátria (mais um). Como sabem há muito que ando nos mercados (quantos dos analistas que dizem disparates nas TVs alguma vez estiveram nos ditos mercados?) e acompanho com especial preocupação (o meu Pai diria obsessão) a situação portuguesa há vários anos. Algumas verdades inconvenientes não batem certo com a "narrativa" socialista há muito preparada e agora posta em marcha pela comunicação social como uma verdadeira operação de PsyOps, montada pelo círculo íntimo do bandido e executada pelos jornalistas e comentadores "amigos" e dependentes das prebendas do poder (quase todos infelizmente, dado o estado do "jornalismo" que temos).
continua
Ora acredito que o plano de operações desta gente não deve andar muito longe disto:
1. Narrativa:
Se Portugal aprovasse o PEC IV não haveria nenhum resgate.
Verdade:
Portugal já está ligado à máquina há mais de 1 ano (O BCE todos os dias salva a banca nacional de ter que fechar as portas dando-lhe liquidez e compra obrigações Portuguesas que mais ninguém quer - senão já teriamos taxas de juro nos 20% ou mais). Ora esta situação não se podia continuar a arrastar, como é óbvio.
Portugal tem que fazer o rollover de muitos milhares de milhões em dívida já daqui a umas semanas só para poder pagar salários! Sócrates sabe perfeitamente que isso é impossível e que estávamos no fim da corda. O resto é calculismo político e teatro. Como sempre fez.
2. Narrativa:
Sócrates estava a defender Portugal e com ele não entrava cá o FMI.
Verdade:
Portugal é que tem de se defender deste criminoso louco que levou o país para a ruína (há muito antecipada como todos sabem). A diabolização do FMI é mais uma táctica dos spin doctors de Sócrates. O FMI fará sempre parte de qualquer resgate, seja o do mecanismo do EFSF (que é o que está em vigor e foi usado pela Irlanda e pela Grécia), seja o do ESM (que está ainda em discussão entre os 27 e não se sabe quando, nem se, nem como irá ser aprovado).
3. Narrativa:
Estava tudo a correr tão bem e Portugal estava fora de perigo mas vieram estes "irresponsáveis" estragar tudo.
Verdade:
Perguntem aos contabilistas do BCE e da Comissão que cá estiveram a ver as contas quanto é que é o real buraco nas contas do Estado e vão cair para o lado (a seu tempo isto tudo se saberá). Alguém sinceramente fica surpreendido por descobrir que as finanças públicas estão todas marteladas e que os papéis que os socráticos enviam para Bruxelas para mostrar que são bons alunos não têm credibilidade nenhuma? E acham que lá em Bruxelas são todos parvos e não começam a desconfiar de tanto óasis em Portugal? Recordo que uma das razões pela qual a Grécia não contou com muita solidariedade alemã foi por ter martelado as contas sistematicamente, minando toda a confiança. Acham que a Goldman Sachs só fez swaps contabilísticos com Atenas? E todos sabemos que o engº relativo é um tipo rigoroso, estudioso e duma ética e honestidade à prova de bala, certo?
continua..
4. Narrativa:
Os mercados castigaram Portugal devido à crise política desencadeada pela oposição. Agora, com muita pena do incansável patriota Sócrates, vem aí o resgate que seria desnecessário.
Verdade:
É óbvio que os mercados não gostaram de ver o PEC chumbado (e que não tinha que ser votado, muito menos agora, mas isso leva-nos a outro ponto), mas o que eles querem saber é se a oposição vai ou não cumprir as metas acordadas à socapa por Sócrates em Bruxelas (deliberadamente feito como se fosse uma operação secreta porque esse aspecto era peça essencial da sua encenação). E já todos cá dentro e lá fora sabem que o PSD e CDS vão viabilizar as medidas de austeridade e muito mais. É impressionante como a máquina do governo conseguiu passar a mensagem lá para fora que a oposição não aceitava mais austeridade. Essa desinformação deliberada é que prejudica o país lá fora porque cria inquietação artificial sobre as metas da austeridade. Mesmo assim os mercados não tiveram nenhuma reacção intempestiva porque o que os preocupa é apenas as metas. Mais nada. O resto é folclore para consumo interno. E, tal como a queda do governo e o resgate iminente não foram surpresa para mim, também não o foram para os mercados, que já contavam com isto há muito (basta ver um gráfico dos CDS sobre Portugal nos últimos 2 anos, e especialmente nos últimos meses).
Porque é que os media não dizem que a bolsa lisboeta subiu mais de 1% no dia a seguir à queda? Simples, porque não convém para a narrativa que querem vender ao nosso povo facilmente manipulável (julgam eles depois de 6 anos a fazê-lo impunemente).
Bom, há sempre mais pontos da narrativa para desmascarar mas não sei se isto é útil para alguém ou se é já óbvio para todos. E como é 5ª feira e estou a ficar irritado só a escrever sobre este assunto termino por aqui. Se quiserem que eu vá escrevendo mais digam, porque isto dá muito trabalho.
Henrique Medina Carreira.
Ora assim, está bem, caro colega e amigo José Mesquita! Permite-me que também assine por baixo aquilo que tão bem expôes. Agora, dizer-se que Antero de Quental tinha uma "visão redutora", enfim, só por distração, talvez.
h.r.
Vejo que valeu a pena a minha intervenção.Ela deu azo a duas outras intervenções de nível,aqui e ali,superiores à minha.
Confesso que de Antero apenas li em tempos alguns sonetos e uma ou outra prosa de índole mais ou menos existencialista.
Dele se diz que uma vez,debaixo de uma grande trovoada,ele terá dito:Deus,se existes,fulmina-me.
Claro que julgo saber que tinha grandes preocupações sociais:era mesmo um grande visionário.
Simplesmente,quando eu disse o que disse,estava a pensar que não se referiria a uma parte substancial dos portugueses,porque esses tinham uma vida tão obscura que para nada podiam contar senão para mourejar na terra.
Claro que o grande coração de Antero neles pensou porque pensou em tudo o que fosse humano:o texto citado por HR é disso exemplo significativo.
Eis a imensa utilidade do contraditório.
JLM
Agora sim, caro JLM, sublinho, por inteiro, estas suas últimas palavras, pela dignidade que demonstra ao reconhecer a razão deste contraditório.
Cumps.
h.r.
Verifico agora que HR escreveu algo mais.E ainda bem.O contraditório continua.Simplesmente,veja bem:Antero diz bem da gente a que me referi.Ora,no texto primeiramente em questão,ele diz mal.Logo,não teve em mente a gente de quem apenas sabe dizer bem.Foi,subliminarmente,redutor.
JLM
Antero diz bem da gente a que JLM se referiu?! Qual gente? Desculpe, mas parece-me um pouco confuso. E não posso aceitar, de maneira nenhuma, que classifique Antero de redutor! De facto, (e afinal), o contraditório, assim, é inevitável, porque sim, porque se impõe!
h.r.
Antero disse bem da"arraia miúda",que vivia, isolada do mundo,espalhada por todo o território português.Esta gente nada sabia do que se passava em Lisboa,praticamente o único local onde tudo se passava e tudo se decidia.Claro que,nas suas cogitações,ele tinha em mente os intervenientes directos e não a gente que vegetava pelas províncias.Ele dizia bem destas pessoas porque a sua sensibilidade socialista e o seu grande coração lhe permitia vê.las.Outros nem sequer alguma vez se deram conta de que essa gente(muitos servos da gleba)existia.
Chamei redutor a Antero porque me convinha ao meu discurso,para poder dizer o que a seguir disse:que não há comparação entre o povo de então e o povo de agora.
Penso mesmo que Antero não teria ficado tão ferido comigo como o HR.
E para quê transformar Antero numa "vaca sagrada"?
JLM
Ferido, eu? Como se pode chegar a uma conclusão dessas?! O facto de alguém considerar algo como inaceitável, não o transforma, necessariamente, num ferido! Por outro lado, quanto à "vaca sagrada", isso só lá para a Índia... mas lá nunca houve um Antero de Quental!
Mas já todos sabemos como o nosso amigo JLM adora estas picadelas de alfinete que, de resto, são inofensivas e até divertem, por isso, não se lhe pode levar a mal.
h.r.
PARTE 1
Meus caros, J.L.M. e H.R., deixem-se das “urtigas” e passem para a “bela-luz” que enalteça, quer a Língua do nosso humilde e nobre Povo, quer o pensamento do grande homem da Geração de 70, Antero de Quental.
Neste mesmo blogue, no dia 1 de Agosto do ano transacto, num artigo subordinado ao tema: “Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma” da autoria de José Alegre Mesquita, escrevi um texto acerca do pensamento literário (e não só!) de Antero de Quental, do seguinte teor:
“Caros comentadores, h. r. e Carlos Fiúza, verifico que deram alguma importância ao meu léxico, à articulação fonológica e semântica do meu pobre, mas sincero, texto. Verifico, ainda, que em circunstâncias algumas o professor aposentado, h.r., não é, de modo algum, opositor, a não ser que o seja, na verdadeira acepção construtivista e etimológica do termo. Verifico, também, que a essência de onde emerge a substância do “terçar armas” de Carlos Fiúza, não é nada mais, do que a seiva de onde brota, p. ex., a forma e o conteúdo para contextualizar o seu pensamento e acção comunicativa referente à forma como esculpe a palavra, aliás, como o gostava de fazer, a saber, o poeta, Eugénio de Andrade.
Referi no meu último texto, dois arquitectos da língua materna que me são muito queridos: Antero de Quental e Eça de Queirós. Poderia citar outros. Não o fiz pelo respeito que nutro por muitos deles. Lembro-me, p. ex., daqueles que foram nossos conterrâneos: Miguel Torga, Guerra Junqueiro, Trindade Coelho, João de Araújo Correia, e outros. Mas, como o meu enfoque pedagógico e literário incidiu, primeiro, sobre Antero de Quental, se me permitem, convém referir o seguinte:
O nome de Antero de Quental tornou-se no símbolo de uma geração (Geração de 70). É referência obrigatória na poesia, no ensaio filosófico e literário, no jornalismo, mas também nas lutas pela liberdade de pensamento e pela justiça social, onde se afirmou como ideólogo destacado.
Desembarcado em Lisboa aos 10 anos de idade, para estudar no colégio de António Feliciano de Castilho, veio a ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1859, tornando-se rapidamente no líder dos estudantes e seu porta-voz, sendo o autor de vários manifestos contra o conservadorismo intelectual e sociopolítico do tempo. Para esse prestígio contribuíam os poemas e artigos de crítica literária e política que ia escrevendo para os jornais e revistas coimbrãs: "A influência da Mulher na civilização", "A ilustração e o operário", "A indiferença em política", "O sentimento da imortalidade". Os Sonetos de Antero, o seu primeiro livro de poesia, data de 1860, e em 1865 publica Odes Modernas, obra por si caracterizada como "a voz da Revolução", resultante da aliança entre o naturalismo hegeliano e o humanismo radical francês de Michelet, Renan e Proudhon. Manuel Bandeira, poeta brasileiro, escreverá em 1942: "Costuma apontar-se o Eça como o modernizador da prosa portuguesa. Basta, porém, a carta "Bom Senso e Bom Gosto" para provar que se houve reforma da prosa portuguesa, ela já estava evidente no famoso escrito de Antero".
(CONTINUA)
PARTE 2 (CONTINUAÇÃO)
Após a licenciatura, e atraído pelos ideais socialistas de Proudhon, sobretudo, pensa alistar-se nos exércitos de Garibaldi, mas acaba por aprender a arte de tipógrafo, na Imprensa Nacional, deslocando-se depois a Paris, em 1867, para aí exercer o oficio e familiarizar-se com os problemas do proletariado. Em 1868 viaja para a América do Norte (E.U.A. e Canadá) e, no regresso, fica a residir com Batalha Reis num andar da Travessa do Guarda-mor (actual Rua do Diário de Notícias), o "Cenáculo", como era conhecido entre os amigos: Oliveira Martins, Eça de Queirós, Manuel de Arriaga, José Fontana, Ramalho Ortigão, entre outros. Inicia então (1870) uma intensa actividade política e social. Colabora na fundação de associações operárias e na introdução, em Portugal, de uma secção da Associação Internacional dos Trabalhadores; publica folhetos de propaganda. Nas palavras de Eduardo Lourenço: "Ninguém entre nós pôs mais paixão no propósito de decifrar e ao mesmo tempo emendar o destino português do que Antero”.
(…)”.
Entretanto, Carlos Fiúza, a propósito deste ilustre escritor e pensador, disse, cito, “Quental é outro "monstro" que muito admiro, e a que gostaria de voltar.
Claro que não é em dicionários que se ganha o bom gosto na Arte de escrever.
Mas isto não quer dizer (e muita gente pensa-o) que o Artista da palavra insensatamente se dê ao luxo de ignorar a Língua em que intenta exprimir-se.”
Assim, servindo-me de um poema de Antero subordinado ao tema: MEU SONHO!, termino esta minha humilde reflexão, já que está bem explícita nele a substância e a beleza literária do seu pensamento ao serviço do Outro.
Conheci a Beleza que não morre,
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do Sol, e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei pálido e triste.
Cumprimentos e votos de Boa Páscoa
LVS
Ora, depois deste oportuno testemunho de LVS, digam lá se Antero de Quental tinha "uma visão redutora"...
h.r.
LVS revela um conhecimento bastante profundo sobre a nossa Literatura. Infelizmente, não sei de quem se trata. Gostava de conhecer essa pessoa, trocar algumas impressões sobre a nossa Língua e tomar um café. Quem sabe, podíamos até realizar uma tertúlia. Será que há alguém que me pode ajudar?
Carrazedense
Tendo estado ausente, foi com agrado que li as belíssimas intervenções de h.r., José Alegre Mesquita e LVS sobre Antero de Quental, suscitadas (ia a dizer “espicaçadas”) pelo meu caríssimo amigo JLM.
Todos os comentadores, de forma airosa e conhecedora, expõem bem quem foi Antero.
Ao estudar os Limites da Sociologia Linguística e entrando no problema da Poesia e Prosa, o penetrante filósofo da linguagem Vossler asseverou:
“Na poesia a estrutura sintática fica acessória, latente, imanente, submetida às ordenações rítmicas e métricas; muito ao invés, na prosa a estrutura sintática sobressai tanto mais agudamente, torna-se tanto mais importante e eficaz, quanto mais decididamente se distancia o prosador do estilo poético e do estado de ânimo lírico. Claro que também a prosa tem seu ritmo, a sua melodia etc., como por seu turno a poesia também tem composição sintática. Trata-se de um mais ou de menos, não em sentido quantitativo e extremo, porém, sim, no sentido qualitativo da predominância”.
Na verdade (a meu ver) a arte poética não está no quadro imaginado, porque a todos nós seria possível imaginá-lo.
Escrevi um dia: “A arte poética está na alma da expressão por meio da qual o autor conseguiu impregnar as palavras de um poder rítmico, o qual, impressionando agradavelmente os nossos ouvidos, vai refletirflectir-se também agradavelmente ao nosso coração, onde já estava a potência de sentir o belo”.
Mantenho o que então disse e acrescento:
Passar da potência ao ato poético não se consegue no caso de não haver recursos para adquirir o veículo expressional - o verdadeiro verso.
E aqui me apoio neste parecer do sobredito Vossler:
“… a distinção entre poesia e prosa é algo exterior, quer dizer, formal, e quem a toma externamente e, seguindo ao acaso a impressão do ouvido ou da vista, qualifica de poesia às formas de falar de aparência simétrica, e de prosa às de aparência assimétrica certamente não anda muito desencaminhado”.
Está claro que não é a mera praxe métrica o índice do valor poético, mas isto não deve levar à ideia de que a poesia seja apenas capricho de disposição tipográfica. O bom ou o mau poeta não se podem aquilatar pelas habilidades lineares das frases.
A toda e qualquer expressão do belo pela palavra nos é lícito chamar poesia, recorrendo a um alargamento de significado.
Assim, numa pintura haverá poesia, numa confissão amorosa haverá poesia, num entardecer haverá poesia, isto é, matéria poética.
Não nos satisfazendo a realidade da Vida, criamos em nós um mundo íntimo de sonho.
Aí está a essência da poesia, na eterna insatisfação da nossa alma. E, se, por exemplo, na beleza do mundo físico, encontramos clima para a fantasia, logo a inspiração nos assalta. Se conseguimos a expressão rítmica, somos artistas-poetas.
Eu vejo na poesia “modernista” uma ânsia, em tradução libérrima, de estados de alma poéticos, de temas filosóficos, cívicos, quotidianos, etc.
Mas lembro-me de que Antero de Quental “sofreu” poesia, viveu poeticamente…
“…
Recebi o batismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei pálido e triste”.
Carlos Fiúza
A "visão redutora", caro h.r., jamais foi de Antero de Quental, em circunstâncias algumas. A verificar-se isso, apenas, pode estar explícita e implícita no pensamento personalista do autor que a proferiu.
Por fim, será que alguém me pode imformar quem é o bloguista LVS?
Carrazedense
Toda a gente, sabe, não é professor? Mas não se aponta ao espelho, que é feio! Agora, que escreve como nenhum outro, disso ninguém duvida.
Querem ver que este anónimo de Abr.26, 11:20:00 PM, também acha que h.r. e LVS são a mesma pessoa? Não são, pois disso tenho a certeza absoluta. Mas bastaria estar atento aos escritos de um e de outro.
Também eu,de certeza que não andaram na mesma universidade.
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