17 outubro 2010

Apetite e fome - Carlos Fiúza

Apetite e Fome

A fome é negra - diz o nosso povo com intensa expressão e impressionante verdade.

Tão verdade é que Deus nos ensinou a pedir-Lhe: “o pão-nosso de cada dia nos dai hoje”.

Desde que o homem foi condenado a ganhar o pão com o suor do seu rosto, a incerteza de conseguir o sustento ficou de tal maneira a acompanhar o coração humano que os homens se esfalfam no agarrar do alimento, esfalfamento que se traduz no conseguir ou no conservar o símbolo do trabalho - o dinheiro, ou até, infelizmente, no processo de o amealhar ilicitamente.
Ninguém sabe, pois, se algum dia quererá comer, não tendo nem migalha ou, como diz o povo, não tendo “nemigalha”.

Nesta divagação podemos admitir, desde já, que a “fome” é a necessidade de comer, não havendo o quê.
A FOME é o desejo violento de comer, a necessidade urgente, dolorosamente ansiosa de meter um alimento à boca.
Fome é apetite, mas apetite excessivo, com urgente e ingente necessidade de comer.
Sim, a fome é negra. Tem a negridão daquele estado em que um desgraçado se encontra, quando não tem o sustento, que não falta às avezinhas do céu, nem aos vermes da terra, nem aos peixes do mar.

Fome - já tenho pensado nisto muita vez - é possibilidade inerente aos homens e às feras. Porquê? Porque entre as feras, como entre os homens, há o egoísmo, a luta pelo bocado, a ânsia por cada qual se governar com um naco ou com bons pedações…

Jesus Cristo que ensinou os homens a serem menos feras (“amai-vos uns aos outros”), ensinou-os a pôr confiança, por este rogo - “o pão-nosso de cada dia nos dai hoje”.
Fome é a falta desse pão.
Fome é necessidade de comer. Vontade de comer pode não ser fome. Pode ser um simples apetite.
Apetite é desejo, é procura. “Appetitus” é a faculdade de desejar, de querer chegar a…
O apetite é o desejo maior ou menor de comer.
Porém, a FOME é apetite com urgência de satisfação.

Mas as palavras são levianas.
As palavras doidejam por vezes em irregulares passeatas pelo campo da semântica.
Elas são inconstantes; não querem um significado apenas.

Existe um vocábulo helénico muito prestadio que pode entrar neste jogo de considerações sobre a fome. É “eufemismo”.
Com eufemismo se nomeia a arte ou o artifício de encobrir as verdades tristes ou rudes da vida por meio de palavras mais suaves, menos duras.

FOME é termo violento, e assim as expressões “vontade de comer, querer comer, ter apetite” podem abrandar a rudeza daquela palavra.

Mas a palavra FOME está lá… com ou sem eufemismo!
Como outras virão… com estes ou outros nomes!

Carlos Fiúza

2 comentários:

Anónimo disse...

Então, depois de todo este articulado, uma frase só: "A FOME É NEGRA"!

Unknown disse...

Infelizmente, ainda há quem não sente na pele os efeitos da "crise" os politicos são disso exemplo e a fome quando chega, não é para todos.