19 fevereiro 2008

Direito e interioridade e a urgência de não desistir

Decorreu este fim-de-semana em Bragança o I Curso de Direito e Interioridade numa organização da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e do Município local. Durante mais de oito horas, pelo Auditório do Teatro Municipal passaram ilustres oradores. Destaca-se: o Presidente do Conselho Directivo da referida Faculdade, o professor Vera-Cruz Pinto, o professor Costa Andrade, antigo deputado e conhecido penalista, o afamado e ilustre professor Adriano Moreira e por último, mas não menos badalado, o professor Marcelo Rebelo de Sousa. A baixa por doença do constitucionalista, professor Jorge Miranda, não retirou brilhantismo ao acontecimento que foi muito participado (mais de 300 pessoas! Pouco vulgar em certames paralelos). Fazer uma resenha dos conteúdos em meia dúzia de linhas é uma tarefa ingrata e também injusta dada a riqueza do exposto. Porém algo terá de ser dito…

Na tarde do primeiro dia brilhou o professor Vera-Cruz Pinto que justificou a temática referindo que “não haverá desenvolvimento sem direito”, assente nos princípios de que não há democracia sem justiça nem justiça sem discriminação positiva, teorizou que a criação do conceito de Interioridade como categoria jurídica é fundamental para salvar o Interior e realizar nele mais investimentos. Deu o exemplo da insularidade, para da mesma forma e com resultados idênticos se inverter o ciclo da interioridade.

Na manhã de Domingo, Adriano Moreira argumentou que o nosso sistema democrático está a transformar-se numa sociedade injusta porque há muito que deixou de ser universalista, pois não sabe respeitar os particularismos e os verdadeiros saberes. O professor estabeleceu uma relação de causa e feito entre os conceitos de racionalização e de desistência. A racionalização que tem servido de base ao encerramento de serviços públicos no interior, à falta de investimento público e de uma discriminação positiva parece pressupor a desistência face a uma parte do território e porque “todas as pessoas terão direito à sua dignidade e aos valores éticos não permitem aceitar estas lógicas”. A relação de pertença entre o território e o indivíduo não pode ser apenas olhada pela óptica económica, o conceito de soberania tem de ser a base para a sustentação da interioridade. “A racionalização cobre a desistência, porém a resistência deve prevalecer sobre a desistência”.

Costa Andrade referiu a prolixidade em legislar em Portugal que nada tem resolvido. Advogou a adequação do direito ao contexto social, bem como a universalidade na aplicação da lei, explicando que só há processos de lenocínio em Bragança e Mirandela, quando este é um crime público muito mais usual nas grandes cidades.

Na tarde de domingo, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma longa (três horas!...), mas nada maçadora intervenção. Numa primeira abordagem, explanou sobre o municipalismo e o poder regional desde a formação de Portugal aos nossos dias. A história do país é pautada no seu início por uma grande descentralização do poder, pois era do interesse do rei, resvalando rapidamente para uma contínua centralização que chegou até agora.
Partindo da chamada actual “demissão do Estado” e se, “a coesão social e territorial são importantes”, o Estado “existe para corrigir assimetrias”. Defendeu o que é mais ou menos pacífico: um investimento nas vias de comunicação do interior, o cuidado nos cortes e encerramentos de cursos de ensino no interior, aconselhou a requalificação dos menos jovens e uma profunda reforma dos serviços do Estado face aos condicionalismos e especificidades.
Particularmente sustentou incentivos ao investimento, não só das pessoas colectivas, mas também das pessoas singulares para fixar e chamar população, na forma de abaixamento dos impostos. Defendeu ainda uma redução do IVA de forma a estimular os serviços e as agro-indústrias e a necessidade de apoio a um novo turismo cultural, gastronómico e de ambiente.
Parece-nos que a grande novidade da sua conferência foi admitir que a integração de Trás-os-Montes e Alto Douro na grande região do Norte não resolverá os problemas da interioridade. Perante as dificuldades enormes de desenvolvimento deixou uma mensagem de desespero e aconselhou os transmontanos a descobrirem um primeiro-ministro local (antes tinha dito que a Beira Interior tinha beneficiado disso).

Notas breves:

Um curso que apresentou brilhantismo em muitas das intervenções, provou também que são alguns alfacinhas que mostram caminhos para se ultrapassarem os constrangimentos da interioridade.
Nestes últimos dias pouco ou nada transpirou na comunicação social sobre o evento, apesar dos ilustres palestrantes, o que atesta a importância que vamos tendo no concerto da nação.
Deputados nem vê-los. Autarcas muito poucos. Poder-se-á concluir que todos estarão bem informados sobre o tema. É só ver as obras...
A sala completamente cheia e o apoio da população do distrito foram as notas mais positivas e mostram que há gente que quer lutar pela sua dignidade e não quer desistir.

Sem comentários: