05 janeiro 2008

Barragem do Tua / Termas de S. Lourenço: Rafaela Plácido

"A barragem do Tua vai começar a ser construída dentro de um ano. É a primeira das 10 previstas no Plano Nacional de Barragens. A prioridade anunciada, anteontem, pelo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, não colheu de surpresa os cinco autarcas dos concelhos abrangidos pelo empreendimento hidroeléctrico, mas o de Mirandela não poupa nas críticas pois vê mais próximo o fim da linha ferroviária do Tua."

Depois da transcrição acima, copiada do JN, talvez valha a pena perguntar aqui sobre o destino das Termas de S. Lourenço, de quem vou contar um fragmento de história:
Nasceram quase a medo, escondidas no sopé de uma montanha abrupta, com águas medicinais sulforosas e quentes que, uns metros mais abaixo, desaguam no velho rio, agora o palco de mais uma barragem portuguesa, a construir dentro de um ano.
No século passado, uns alemães quiseram explorá-las e tornar-nas num centro termal que bem poderia ter desenvolvido um pouco a zona. Não fazia mal, digo eu, porque eles, durante a guerra, até beneficiaram do volfrâmio, abundante na região. Mas, aqueles alemães termalistas esbarraram na inércia do poder político e no direito consuetudinário que atribuía o uso das águas às povoações vizinhas de Paradela e Pombal, já para não falar no próprio lugar baptizado de S. Lourenço, o mesmo santo incrustado na boca da fonte de onde jorra a água que cai num pequeno tanque, mais ou menos com dois metros de largura por 3 de comprimento. Sem mais.
Disseram que não. Não era possível conciliar uma actividade que deveria nascer para ser lucrativa com uma tradição, quiçá oriunda da época das Ordenações Afonsinas, que permitia ao povo dos arredores ir a banhos gratuítos, pudessem embora ser banhos com horas marcadas e sem o dever de, depois de cada um se banhar dizer: obrigado, meus senhores!...
O pequeno casario, hoje abandonado, edificou-se à custa da benfazeja água e até um médico, o Dr. Morais, pretendeu montar lá uma clinica sobranceira à casa do tanque e de S. Lorenço.
Mas, mais uma vez as forças da inércia exerceram o seu direito de veto ao progresso do lugar e as termas por lá se quedaram, até o tempo mirrar a vida que um dia por lá houve.
Nos últimos anos, as termas foram dadas à exploração nos meses de estio e o único morador que por lá se fixou foi um latino-americano, não sei de que país de língua espanhola. Acho até que o nome do homem coíncidia com o do santo, mas não levem isto muito a sério porque também posso ser eu a inventar...
Via-o sobretudo no inverno, quando as neblinas pendiam da copa dos pinheiros e o vale ficava envolto naquelas névoas brancas e eternas como as barbas do Pai-natal.
Um dia perguntei-lhe o porquê do seu isolamento. Não sei se era um criminoso fugido à lei ou apenas uma criatura eremita que resolvera isolar-se do mundo, edificando a sua vida perto de umas águas que, sei lá?!..., agora irão até secar por não poderem inverter o seu curso para um sítio onde possam ter um outro tipo de bilhete de identidade e uma outra cidadania.
O homem respondeu-me que aquele era o melhor sítio para se morar, ali no sopé da montanha e em plena harmonia com a natureza que, ao que sei, ele apenas poluia ligeiramente com o fumo e os gases de uma pequena motorizada que o levava, lugar acima, às aldeias e à sede do concelho já que, ao fundo, lá estava o rio intransponível e soberano...
Presumo eu: o rio, após a construção da barragem, irá ficar ainda mais intransponível e ainda mais soberano. Não deve ser, digo eu também, com as bençãos de S. Lourenço e da sua imagem de granito incrustada no tanque dos banhos. Tanto mais que para santo padroeiro de umas águas e daquele lugar remoto, foi sempre um santo de segunda ou de terceira grandeza, como muitos dos lugares nascidos em Trás-os-Montes...
Assim, S. Lourenço, no tempo de todas as greves e de todos os direitos, uma vez que sempre foste tão abandonado, é altura de fazeres o teu milagre maligno e secares a fonte que eu conheci quando tinha quatro anos.
Já agora, peço-te que me perdoes o medo que me inspiravas, relevando os gritos e o meu choro com que te ensurdecia os ouvidos quando dizia à minha avó paterna:
- ò vó!... Não quero... Esse santo é feio...
Insisto que me desculpes a criancice. Agora, se deves ou não perdoar a quem te abandonou sem apelo nem agravo, isso é lá contigo!...
Ou será que, finalmente, vais entrar no mundo da verdadeira liturgia termal da nação?!...
Boa Sorte, é tudo quanto desejo, para ti e para as tuas águas nascidas no sopé de uma montanha íngreme com o Rio Tua a beijar-te os pés onde, dentro em breve, com um novo e amplo leito, tu próprio poderás banhar-te...

Com amor

Rafaela Plácido

3 comentários:

mario carvalho disse...

só me apetece.....

Parabéns querida amiga

quem sabe não fiquem bexiguentos antes do tempo e quando se estiverem a desfazer ainda recorram ao santo

Parabéns a todos os que têm força para continuar a acreditar

mario

Unknown disse...

Parabéns, pelo desabafo. As termas de S. Lourenço, tema gasto e muito falado neste Blog em 2007, só é pena que nada tenha resultado. Mas valem bem o esforço dos amigos e quem sabe se aquela estátua do S. Lourenço, que o citado espanhol fez, não ganha outra dimensão no futuro. E temos de acreditar que ainda vamos a tempo.

mario carvalho disse...

Envido para o livro de visitas de www.linhadotua.net

2008-01-11
Não posso imaginar ver esta fascinante lura submersa.


No país que nos deu D. Afonso Henriques, porventura a sua paisagem mais bela, onde o trabalho do homem se combina harmosionamente com a natureza de uma forma que até dói, é a vista deslumbrante que se alcança da estrada de S. Mamede Riba-Tua, quando o rio com este nome se encontra com o Douro. E eu, como cidadã de carne e osso, com muito mais vida do que umas simples pinturas rupestres como as do Côa, não suporto ter menos força do que elas no meu grito, quando digo bem alto:

Salvem a Terra antes que o progresso a destrua! Salvem uma bela parcela da História Ferróviária de Portugal, Salvem a Linha do Tua!

Rafaela Plácido