04 maio 2005

Quintas do Douro (2)

Conta-me o meu pai:
A procura do trabalho nas quintas do Douro era muito inferior à oferta.
A gente simples e pobre (eram quase todos) das aldeias da Terra Fria tinha uma de três soluções: deambulava a ribeira a mendigar trabalho, emigrava clandestino ou passava fome.
Com o coração cheio de esperança, lá se ia a caminho das quintas dos "Canais", da "Espanhola", da "Sr.ª da Ribeira", do "Ministro", do "Eng.º Faria", do "Chaves", do "Comparado", dos "Carris", do "Gouveia", do "Carvalho", do "Zimbro"...
Traçada no ombro, transportava-se a enxada que deveria ter um tamanho razoável, pois, de contrário faria torcer a “beiça” do feitor (sempre implacável e atroz); a tiracolo o saco de linho ou de serapilheira com o pão de centeio duro e amargo; nos lábios e no olhar a súplica do “Arranje-me lá trabalho pela alminha de quem já lá tem”. Caído no goto do “carrancudo” feitor lá vendia o suor e a alma por 25 tostões.
Eram “felizes” os admitidos. A jorna era de sol a sol quer chovesse, quer nevasse ou o sol desancasse. O trabalho de empreitada não admitia demoras, nem atrasos. O que se ficava para trás na função da poda, da cava ou descava, da redra… pagava com a vergonha do desconto no salário, a possibilidade de ser posto “em marcha” ou, principalmente, o constrangimento perante os seus pares. Irmanados na “miséria”, eram cruéis neste tipo de desgraça do próximo.
Para acompanhar o pão rijo levado de casa era servido o “caldo" de feijão ou feijaca, aguado, desenxabido e temperado com as larvas do dito e o unto rançoso.
À noite, doridos do trabalho e depois da mistela sorvida com grandes tragos, deitavam-se como o “gado” e a monte no “cardanho”, onde percevejos e piolhos se refastelavam com o sangue quente da “manada”. Anestesiados com o cheiro nauseabundo e extenuados pela dureza da "jorna", depressa dormiam. Porém não tinham sequer tempo para recuperar forças. De madrugada começava novo martírio.
Recebido o “pré” , o seu fado era igual aos que foram “rejeitados”. Continuavam na mesma - todos os mesmos desgraçados.

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