Saepe ignoscendo, des iniuriae locum. (Publilius Syrus) "Desculpando com frequência, darás lugar à injustiça."
De há uns tempos a esta parte que pretendemos falar do fenómeno cultural do concelho. Vínhamos adiando esse propósito por ser uma empresa difícil, pois qualquer delineamento de uma política cultural terá, necessariamente de ter um pensamento colectivo, participado, negociado. Esta é uma singela contribuição individual e por isso mesmo, creio muito deficiente. No entanto, se ajudar a despertar alguma consciência, damos por bem empregue o tempo perdido.
Começamos com uma ligeira avaliação do que vem sendo realizado. Sucintamente o que temos de palpável é insuficiente: uma mega merenda fora do concelho, uma feira do livro, um festival de música medieval, encontros de idosos para um jantar ou uma passeata e um conjunto de actividades cíclicas, sem uma planificação participada, com cada vez menos adesão e motivação. Sucintamente diremos que as práticas de dinamização cultural têm sido pouco imaginativas, muitas delas elitistas, direccionadas para a ostentação porque são mais para serem referenciados nos mass media , na agenda cultural ou no boletim municipal, do que serem proveitosas aos munícipes e vocacionadas para valorização pessoal dos organizadores que as antecedem de copiosos discursos laudatórios. Não se conhece uma política cultural perfeitamente definida e que trace objectivos concretos e potenciadores do enriquecimento cultural das populações. O que se faz para dinamização das agremiações culturais e recreativas, da preservação dos patrimónios materiais e imateriais, da dinamização da leitura e da escrita, da ocupação e fruição dos tempos livres?
A avaliação pessimista decorre ainda de pequenos detalhes que acentuam o marasmo em que vivemos. Não se desenvolveram sinergias que existiam no concelho, não se potenciaram muitos aspectos relevantes que se fizeram não há muito tempo, como veremos, e podiam ser base para o desenvolvimento de actividades culturais e recreativas sólidas e duradouras e que nasciam da necessidade das populações. Se os equipamentos para a prática cultural e recreativa não existem ou estão mal equipados, duvido que os que se constroem, estarão dimensionados e se haverá um projecto para os tornar lucrativos do ponto de vista da sua utilidade. Não estaremos a gastar dinheiro dos contribuintes para os equipamentos não funcionarem ou não serem totalmente rentabilizados? Depois haveria que traçar prioridades. Para além de algumas estruturas, entre elas o circuito de manutenção da zona de lazer da piscina municipal, não há locais apropriados para a prática desportiva regular. Não seria a construção de um pavilhão coberto a maior prioridade do concelho?
Num passado recente, o concelho possuiu iniciativas louváveis de promoção desportiva, como sejam torneios de futebol inter-aldeias, estafetas e corridas de atletismo que estimularam a prática atlética, para não falar do futebol de cinco, do andebol, ténis de mesa que tiveram uma prática generalizada e mobilizadora de jovens e adultos. O concelho possuía alguns clubes que fomentavam a prática desportiva e, agora todos parecem estar em período de hibernação, destaca-se o Clube de Futebol da vila que deixou de ter qualquer actividade visível.
E que dizer da associações culturais e recreativas? Para além do caso específico do Pombal que tem mantido actividades regulares e consistentes e de um ou outro apontamento pontual de Misquel, o panorama é desolador. As actividades outrora variadas e diversificadas, estiolaram porque não estimuladas, entre outras razões por uma contínua centralização na sede da vila. A desertificação das aldeias não pode ser explicação para tudo!
Os nossos jovens têm como quase única ocupação dos tempos livres o deambular de café em café ou andarem por aí "aos caídos". São já visíveis e alarmantes, porque muito frequentes, os casos de alcoolismo e a circulação de drogas. Para além do espaço Internet e da pouca dinamizada Biblioteca (se olharmos a agenda cultural, as actividades culturais são mais que muitas, só que ninguém as frequenta), não há um outro local ou actividade para ocupar crianças e jovens.
No que concerne à preservação do património histórico, monumental e arqueológico, já em outras oportunidades nos debruçámos sobre este aspecto. Há mais de uma dezena de anos que se diz haver um projecto supervisionado pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) para preservar e dinamizar o património arqueológico. Qual o resultado? Um ou outro colóquio que aqui aplaudimos, a retirada de toneladas de pedras do castelo, o início da construção de um edifício de apoio ao castelo de Ansiães, o arranjo, no mínimo polémico, da zona envolvente da anta do Vilarinho da Castanheira, e pouco mais. Espera-se, parafraseando a fábula, que da montanha não saia um rato. Há muito para fazer neste domínio, como já foi referido neste blogue a par do património ambiental.
Há mais de uma dezena de anos que se espera por uma monografia do concelho, anunciada como uma pedrada no charco do deficiente estudo histórico e patrimonial do concelho, financiada por diversas tranches de verbas aprovadas em reuniões de vereação e pela Assembleia Municipal, não deu à estampa uma única página escrita. Não é só por esta via que se poderá preservar o património imaterial e a nossa memória histórica. Pretendemos adiante apontar algumas pistas.
(Continuaremos)
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