Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro
(Camus)
A palavra cultura tem um vasto conjunto de significações. No uso corrente do quotidiano significará o cultivo do espírito. Assim a pessoa culta é aquela que mais cultiva o espírito isto é, mais conhecimento adquire. A aquisição de graus académicos não é directamente proporcional ao grau de cultura de quem os obtém, pois eles não são forçosamente sinónimo de aquisição de conhecimento, tendo em conta, entre outros factores, a fraca credibilidade de muitas instituições de ensino que promovem os cursos. Um humilde homem do campo pode ter uma grande bagagem cultural porque detém um vasto património cognitivo que lhe foi transmitido de geração em geração e também adquiriu conhecimento empírico fruto da sua contínua relação com o meio ambiente. Como dizia Confúcio “a cultura está acima da diferença da condição social”.
A cultura reportada para o domínio sociológico e, sempre que utilizamos o vocábulo, pensamos nas actividades ditas superiores do espírito humano, como sejam a arte, a literatura, a música, a pintura. Mas o conceito é muito mais abrangente e, como refere Giddens representa o conjunto de valores, normas, modos de vida e materiais que determinada sociedade ou grupo social cria. Os valores serão o conjunto de princípios aceites colectivamente e sobre os quais se estrutura essa sociedade, as normas serão as regras definidas ou não num articulado legal. Os modos de vida incluem a forma como se vestem, os costumes de casamento e de vida familiar, as formas de trabalho, as cerimónias religiosas e as ocupações dos tempos livres. Os materiais serão os bens que se criam e que se tornam portadores de sentido para o agregado humano: uma casa, um arado, um pipo, um crucifixo, uma renda, uma alheira, uma música, uma peça de teatro, uma pintura, uma oração...
A actividade cultural é o fenómeno principal que nos distingue como humanos. Sem ela não evoluiríamos, não teríamos uma língua, uma memória colectiva. Enquanto produto do conhecimento e da empresa humana, é o produto milenar do diálogo do homem com o seu ambiente que em cada sociedade se condensou de forma típica, mercê de circunstâncias naturais e históricas. Porque estas circunstâncias são diferentes, formam-se assim as culturas particulares, bem identificadas e perfeitamente definidas. A cultura só tem sentido quando tem um determinado registo, é aprendido e pode ser transmitido. As particularidades culturais enriquecem o todo e contribuem para a diversidade humana. Há, pois necessidade de preservá-las, com risco de se extinguirem e de se perderem de modo irreparável.
Com a globalização, as especificidades culturais podem ser diluídas e avassaladas pelos valores difundidos pelas denominadas potências culturais que se constituem os valores dominantes. O uso de modernos mass media podem proporcionar a primazia de modelos sócio-culturais e o definhamento de outros gerando a uniformização e a estandardização. A necessidade de afirmação das culturas nacionais, regionais e locais é um objectivo premente. Elas poderão enriquecer o global e, por este, serem enriquecidos. Para isso há que definir políticas culturais coerentes e devidamente organizadas que projectem a divulgação do património cultural. É essencial que começamos por defender a nossa cultura local.
Assim, este fenómeno como corolário da actividade humana mais nobre terá de ser cuidado, estimulado e potenciado. Compete às organizações sociais e políticas esse papel. No que concerne ao papel das autarquias, este deve consistir numa preocupação transversal que atravessa todos os sectores de realização desde a mera aprovação de uma obra até à realização de uma actividade recreativa. Para isso é necessária sensibilidade, planificação, programação, agentes, técnicos de acção cultural…
(Continua)
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