02 setembro 2013

leituras de fim de verão: João Araújo Correia

... Desse retalho de terra, sempre verde, avistava eu, ao desenfado e sempre que queria, um velho amigo, um trabalhador incansável, que me viu nascer e me abandonou de um dia para o outro. Quero referir-me a um rio arcaico , milenário, que me contava uma história cheia de pavores e doçuras, quando me via sentado, num banco de pinho, ao fundo do meu quintal. Esse rio morreu, deixou de ser rio para ser um lago artificial imenso, parado ou pasmado a meus pés, como cadáver que a morte dilatasse. O dinheiro dos homens, para se multiplicar, a troco de dar luz e energia ao mundo, pega no meu rio, que era bravo e impetuoso como um toiro, e amansa-o em lago. Fez dele um boi no pasto ou uma choca no fim de uma toirada. O meu rio, que era poeta heróico e poeta idílico, ao sabor das horas, que as contava de todos os feitios, era também artista. Com que paciência, durante séculos de séculos, não foi esculpindo, na rocha dura, maravilhas de arte... Hoje, lago empanturrado, mais rico que um porco, já não tem força e até se envergonha de pegar no maço e no cinzel. Deixá-lo, que o progresso manda...

"Pontos Finais"

6 comentários:

mc disse...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Jos%C3%A9_Viegas


Regresso por um rio (1987)

Mudanças de opinião sobre a Barragem do Tua

Antes de ser nomeado Secretário de Estado da Cultura do XIX Governo Constitucional, José Viegas mostrava-se contrário ao projecto da Barragem do Tua,[carece de fontes] expressando na comunicação social essa sua opinião "Mas o caso da Linha do Tua evoca tragédias recentes; mais do que tragédias evoca o isolamento da região.(...) Um resto de dignidade e de memória devia fazer-nos correr até onde o último comboio regional ainda corre - para o defender.(...)Por isso, defender o último comboio regional, seja onde for, é combater este país abjecto que destruiu a nossa paisagem, a nossa memória e a geografia do tempo." (in Revista Ler, Maio de 2010).[carece de fontes]
Recentemente,[quando?] quando pedida a sua posição em relação a toda esta questão, incluindo a possibilidade de o Vale do Douro ser colocado na lista de património mundial em perigo, o secretário de Estado da Cultura foi taxativo: "A única coisa que o Governo não admite é perder a classificação" 4 . Em 2012-10-12 a UNESCO deliberou sobre a questão, tendo concluído que a construção da barragem de Foz Tua não põe em risco a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial.5
Quando novamente questionado pela comunicação social o gabinete do governante disse que não iria fazer qualquer comentário face ao argumento da falta de dinheiro para parar as obras da barragem invocado por Assunção Cristas, ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, 6 .

mc disse...

http://inevitavelinsatisfacao.blogspot.pt/2011/06/vilarinho-das-furnas.html

Miguel Torga

O grande Miguel Torga registou em palavras o absurdo de um país que coloca o valor de um muro de cimento acima do valor das suas gentes:

Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavras,
aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de finados.
Mas, de repente, um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.
E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.

Miguel Torga
Barragem de Vilarinho das Furnas, 18 de Julho de 1976

mc disse...

é a estes génios e a muitos outros
que "alguns" crápulas , do mais baixo que existe, consideram que têm "palas" justificando a sua estupidez

...............
Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.

Até que um dia, "O MAIS FRÁGIL , IDIOTA E ININPUTÁVEL", entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.


que sirva de lição

Transmontanos .. reajam enquanto podem

mario carvalho

mc disse...

e..

http://vento_norte.blogs.sapo.pt/12452.html

Gerês, 6 de Agosto de 1968 — Derradeira visita à aldeia de Vilarinho da Furna, em vésperas de ser alagada, como tantas da região. Primeiro, o Estado, através dos Serviços Florestais, espoliou estes povos pastoris do espaço montanhês de que necessitavam para manter os rebanhos, de onde tiravam o melhor da alimentação — o leite, o queijo e a carne — e alicerçavam a economia — a lã, as crias e as peles; depois, o super-Estado, o capitalismo, transformou-lhes as várzeas de cultivo em albufeiras — ponto final das suas possibilidades de vida. E assim, progressivamente, foram riscados do mapa alguns dos últimos núcleos comunitários do país. Conhecê-los, era rememorar todo um caminho penoso de esforço gregário do bicho antropóide, desde que ergueu as mãos do chão e chegou a pessoa, os instintos agressivos transformados paulatinamente em boas maneiras de trato e colaboração. Talvez que o testemunho de uma urbanidade tão dignamente conseguida, com a correspondente cultura que ela implica, não interesse a uma época que prefere convívios de arregimentação embrutecida e produtiva, e dispõe de meios rápidos e eficientes para os conseguir, desde a lavagem do cérebro aos campos de concentração. Mas eu ainda sou pela ordem voluntária no ócio e no trabalho, por uma disciplina cívica consentida e prestante, a que os heréticos chamam democracia de rosto humano. De maneira que gostava de ir de vez em quando até Vilarinho presenciar a harmonia social em pleno funcionamento, sem polícias fardados ou à paisana. Dava-me contentamento ver a lei moral a pulsar quente e consciente nos corações, e a entreajuda espontânea a produzir os seus frutos. Regressava de lá com um pouco mais de esperança nos outros e em mim.
Do esfacelamento interior que vai sofrer aquela gente, desenraizada no mundo, com todas as amarras afectivas cortadas, sem mortos no cemitério para chorar e lajes afeiçoadas aos pés para caminhar, já nem falo. Quem me entenderia?
(Miguel Torga, Diário XI)


com todo este progresso PORTUGAL é hoje um PAÍS DESENVOVIDO, AUTO SUFICIENTE , INDEPENDENTE, NINGUÉM EMIGRA , TODOS SÃO FELIZES E::: O FUTURO , NOSSOS FILHOS E NETOS , BEM SE PODEM ORGULHAR DE QUEM OS

::::::::PARIU :::::::

mc disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Para mim, João de Araújo Correia foi talvez o maior escritor do (e sobre) Douro. No texto aqui (oportunamente) apresentado, vejam a dor do grande escritor ao comparar o rio "Doiro" outrora furioso e barulhento, a um mero lago sem vida, por imposição das barragens...

HR