06 fevereiro 2016

Carnaval: Carlos Fiúza



Recebemos o termo do italiano. Com ele quase deixámos de dizer entrudo. Mas não se afirme que é recente. Ajuntaremos que em Castilho encontramos ambos os termos Carnaval e Entrudo, e também o Gordo.

Mas chamemos à ribalta o Carnaval, o Entrudo, o Gordo, as máscaras, as bacanais, as serpentinas, os papelinhos, os arlequins, os dominós, os trajos regionais, o “Velho de Entrudo” e o Carnaval de todo o ano, numa mistura de filologia, história, mitologia, folclore, literatura, etc.

O Carnaval já não é o que era, mas, no entanto, além de sobreviver nas ridiculezas durante todo o ano, tem sempre algo de oportuno.

Onde e quando nasceu o Carnaval? Ninguém pode, com certeza absoluta, dar resposta a esta interrogação.

O mais certo será que o Carnaval nasceu no coração do primeiro homem que sentiu desejos de pandegar, deitando as tristezas para trás das costas, porque as “tristezas não pagam dívidas”, segundo a filosofia prática do nosso Povo.

Se quisermos, porém, relacionar costumes que a História Universal regista, nesse caso talvez o Carnaval haja sido evolução das festas bacanais e saturnais da Grécia e da Roma antigas.

Que as bacanais ou dionísias estavam no fundo de todo o pagode do Carnaval e suas variantes, não há que duvidar.

O deus das uvas, das vindimas e do vinho, o deus da bebedice, o deus da pinga, como se diz à portuguesa, o senhor Baco ou, à grega, o senhor Dionísio, deve ter grandes responsabilidades inspiratórias na quadra entrudesca. Quero dizer, as festas de Baco, as dionísias ou bacanais devem ser o principal modelo antigo das festas variantes, como as saturnais, as próprias florais, o Carnaval, o Entrudo e o próprio Gordo. As reminiscências pagãs são inegáveis, embora pluriformes.

Assim, por exemplo, em Roma, quando se celebravam os jogos Florais, isto é, os jogos em honra de Flora, a deusa das flores e da primavera, havia por lá o bom e o bonito, em danças e brincadeiras, em barulhos e corridas. Pois também essas festas deram o seu contributo às paródias entrudescas.

Filologicamente, o Carnaval é misterioso. Quero dizer, não se consegue descobrir com exatidão a origem da palavra portuguesa Carnaval e de suas equivalências em outras línguas.

Os próprios etimologistas não estão bem de acordo quanto à etimologia de Carnaval.

O problema da origem da palavra Carnaval, nas suas linhas gerais, é assim:

O mais antigo étimo dado a Carnaval foi “carne vale!” como quem diz: adeus carne! por a véspera de quarta feira ser o último dia do tempo dos divertimentos.

Tratando de Carnaval, registou o filólogo brasileiro Nascentes:

“Petrocchi dá como étimo o baixo latim “carnelevamen”, modificado depois em “carne vale!”... “Stappers interpreta o baixo latim “carnelevamen” como “carnis levamen”, prazer da carne, antes das tristezas e contingências da quaresma.”

A meu ver, a opinião de Stappers (levamen = prazer), é menos aceitável. E digo porquê. É que em latim “levamen” é, propriamente - alívio, consolação.

Quanto à palavra Carnaval, considerada só em relação à nossa Língua, direi que a recebemos, bem decerto, do italiano “carnevale”.

E agora ajunto:

O filólogo francês Dauzat aceita que o francês “carnaval” se formou do “italiano Carnevale”.

E assim vê-se que Dauzat aceita a semântica de em Carnaval haver o latim “levare”, suprimir ou tirar, ou seja, suprimir ou tirar a carne.

Em resumo: o Carnaval parece ligar o nome à supressão da carne pela Igreja, na noite anterior à quarta feira de Cinza.

E passemos à antiga denominação portuguesa do tempo do divertimento - o Entrudo.

Esta palavra Entrudo é mais feliz do que Carnaval pois se lhe sabe a origem: o latim “Introitus”.

Este étimo explica as formas arcaicas “entruido” (ainda vivedoira no povo da Beira) e “entroydo”, e bem assim a grafia com i, que se vê, por exemplo, no velho Morais ao registar Carnaval: “o tempo do Intrudo, as festas, regozijos, que então se fazem.”

Aos dias de Carnaval também se lhes chama dias “gordos”, porque são dias de carne, em oposição aos dias “magros” ou de peixe.

É que nos dias “gordos” é o domingo da carne, o da quinquagésima.

Esse nome de Gordo era (e é) considerado na província como uma verdadeira festa do ano.

O polimorfismo carnavalesco é constituído por tantas modalidades quantas a fantasia brincalhona pode inspirar. Uma dessas diversões consiste no disfarce das pessoas que então se vestem com trajes variados. São as “máscaras”, tirado o nome da palavra árabe “maskhara”, com o significado de zombaria. Esta é, de facto, a mais provável origem da máscara, a zombaria.

Já agora, não deixo de me referir a palavras estrangeiras que desnecessariamente se usam por ocasião do Carnaval. Por exemplo:

1 - Aqueles “papelinhos” de cor que se lançam à cara e à cabeça das pessoas chamam-se para aí de “confetti”, plural italiano de “confetto”, e que alguns erroneamente proferem à francesa, “confetti”, com tonicidade aguda.

“Papelinhos” era como sempre ouvia chamar.

Como os “papelinhos” andam em boa companhia as “serpentinas”, assim chamadas por, como as serpentes, se enrolarem em espiral.

2 - Palavra peregrina que se usa por vezes no Entrudo é “travesti”, que nada mais é do que o nosso “disfarce”, a nossa máscara. “Travestire” é, simplesmente, disfarçar-se, mascarar-se.

Da mais desencontrada origem são tais máscaras. E assim também variada é a explicação de nomes que o Carnaval faz viver e reviver.

O próprio teatro supeditou elementos de mascaragem. Por exemplo, o arlequim, de trajo retalhado de várias cores. Há mais do que uma explicação da sua origem, mas a de maiores probabilidades é esta:

“Arlecchino era o nome de um comediógrafo italiano, que foi para Paris nos tempos de Henrique III. Tornou-se famoso, e o seu nome, por extensão, passou a todos os atores farsantes, truões e palhaços, cujo papel era (e é) o de divertir o público com as suas paródias e piadas.

Outros dizem que arlequim veio do antigo francês “hellequim”, nome de um diabo.

O que se sabe é que a figura de arlequim era personagem cómica do teatro, quase sempre de máscara negra sobre os olhos, e trajo de retalhos de cores variegadas e vivas.

Outra dádiva do teatro ao Entrudo são os conhecidíssimos “pierrots”.

Esta palavra “pierrot”, apesar de francesa, é de origem italiana, donde os Franceses a adotaram.
Como personagem de pantomima, dizem etimólogos franceses que parece ser uma adaptação do italiano “Petrolino”, isto é, Pedrinho, diminutivo de Pedro. “Petrolino” era personagem da comédia italiana.

E os “dominós”? Os “dominós” do Carnaval, parece impossível, mas é verdade, esses mascarados de preto, de cabeça escondida no capuz, tiraram o nome da capa que os monges usavam, no inverno.

A origem era o latim “domino”, de “dominus”, Senhor, por influência da pronúncia francesa com acento na última sílaba.

Como pelo Entrudo se procura troçar de tudo, brincar com tudo, ridicularizar tudo, claro que as figuras mais cómicas não podiam faltar. É o caso das “velhas alcoviteiras”, e de tantos outros disfarces hilariantes.

Felizes as crianças que continuam a tradição, salpicando graciosamente as ruas de máscaras diversas.

Guardo para o fim uma figura carnavalesca que tanto interesse me despertava - a figura do “velho de entrudo”.

Vimos, há pedaço, que o Baco foi o grande precursor do Carnaval, tendo grande responsabilidade nos desmandos do Entrudo.

Só ele, só o deus da pinga terá essa responsabilidade? Talvez não. É que o tal Baco tinha uma espécie de ajudante e companheiro chamado Sileno.

Este Sileno gostava de andar de burro, quando acompanhava Baco. E então era ver Sileno ébrio, jovial, galante, a visitar terras e terras. Como era sátiro de avançada idade, a sua figura de velho folgazão, que a embriaguez tornava ridículo, suscitava o entusiasmo brincalhão da mocidade dos campos. E, assim, à volta do burro e de Sileno, que o montava, embriagado, juntavam-se pastores e pastoras e mais gentinha do campo, que aos saltos e apupos, chalaças e brutalidades o acompanhavam em grande banzé e chocarrices.

Assim era Sileno, o velho aio e companheiro de Baco, nos campos da Arcádia, lá na Grécia.

Ora, esse tal Sileno tornou-se à vida, naquelas festas de povos como o povo português que, pela quadra do Carnaval, por aldeias e cidades, fazia exibir o “velho de Entrudo”, afinal a reincarnação do Sileno da antiguidade pagã.

O Entrudo tinha para mim, noutros tempos, encantos vários. Hoje, não só porque já perderam a alegria de antanho, me atraem pouco ou nada as festas carnavalescas.

É que aprendi a observar a vida.

E na vida eu vejo tantas máscaras e tanta palhaçada, e tanta comicidade durante o ano todo, que, ao chegar ao Domingo Gordo, já não dou pelos disfarces e mascaragens de Entrudo.

O Carnaval põe à mostra o que é o bípede implume, na comédia da Vida.

Sim, na comédia da Vida…

não faltam palhaços, nem arlequins, nem dominós, nem… máscaras!





Carlos Fiúza

1 comentário:

josé alegre mesquita disse...

Belo texto a transbordar de sabedoria. Bem haja!