03 novembro 2012

Talvez… (Carlos Fiúza)




“Talvez eu e meu corpo formemos uma conspiração pelas costas de minha própria mente."
(Friedrich Nietzsche)


Talvez

Talvez seja tudo tão simples, tão tolo e tão natural que você nunca tenha parado para pensar: como fazer “bonito” o seu amor… ou como fazer o seu amor ser ou ficar bonito!
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.
Tenho visto muito amor por aí… amores mesmo: bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva, que esbarram na dificuldade de se tornarem bonitos.
Talvez apenas isso: amores levados com a arte e ternura de mãos jardineiras.
Aí, esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais, de repente se percebem ameaçados apenas porque não sabem ser bonitos: cobram, exigem mais do que oferecem, rotinizam, descuidam, reclamam, deixam de compreender, precisam mais do que atendem - enchem-se de “razões”!
Talvez ter razão seja o maior perigo no Amor…
Talvez quem pensa ter sempre razão se sinta no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão… nem queira.
Talvez ter razão seja um perigo: em geral enfeia o amor, pois é invocado com justiça… mas na hora errada.
Amar “bonito” é saber a hora de ter razão.
Você tem certeza que está fazendo o seu amor bonito? De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro a maior beleza possível?
Talvez não.
Você espera do amor apenas aquilo que é exigido por seus sentidos… quando talvez dele devesse pouco esperar para valorizar melhor tudo de bom que, de vez em quando, ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre e, sofrendo, deixa de amar bonito.
Sofrendo, deixa de ser alegre, igual a criança!
E sem “soltar” a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre.
Não teorize sobre o amor… AME!
Siga o destino dos seus sentimentos…
Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme: a sinceridade, o não dar certo, o vir a sofrer depois (sofrerá de qualquer jeito), abrir o coração, contar a verdade do tamanho do amor que sente.
Jogue para o alto todas as manipulações, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido).
Seja apenas VOCÊ no auge de sua emoção e carência… exatamente aquele VOCÊ que a vida, muitas vezes, impede de ser.
Seja VOCÊ cantando desafinado… falando besteiras… gaguejando flores… sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil, revivendo os carinhos que instruiu em criança.
Não tenha medo de dizer eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.
E aí, talvez VOCÊ consiga fazer o seu amor bonito… ou amar fazendo o seu amor bonito!
Se o conseguir, não se preocupe mais com ele e suas definições.
Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do carinho… CUIDE DE VOCÊ!
Talvez assim você se consiga amar o suficiente para ser capaz de gostar do amor…
Talvez assim você possa começar a tentar fazer o outro feliz!

Pior que a convicção do sim/não e a incerteza do TALVEZ… só a desilusão de um QUASE!
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo o que poderia ter sido e não foi.

É talvez o último dia da minha vida,
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.

(Alberto Caeiro)


Carlos Fiúza

 “… o tema das pequenas palavras que, na comunicação, podem transformar a vida. Sim, porque há palavras que podem transformar a realidade!”
“Queria apenas convidá-lo a desenvolver a sua reflexão, acrescentando-lhe a palavra intermédia entre o sim e o não, o insidioso, cauteloso e desconfiado “talvez”!

(Fernando Gouveio no seu comentário ao meu texto “Sim e Não”).

3 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Muito bem, Carlos Fiúza. Dá gosto lê-lo. E para ilustrar o "talvez", não podia escolher melhor matéria que a do amor, o amor em que tudo é incerto, em que, na viagem entre o sim e o não, se joga a felicidade e a desilusão; o amor equívoco na sua própria apreensão pelos mortai; o amor arrebatado da paixão ou o amor pacificado da cumplicidade vivida, o amor vilipendiado pelas regras sociais e o amor enaltecido pela coragem de passar a linha das convenções, o amor que transpõe obstáculos sobre um fio de arame por cima dum precipício, essa linha mágica entre a regra e a transgressão, essa aventura de funâmbulo que, à semelhança de Barthes, poderíamos classificar como erótica.
Obrigado pelo texto magnífico.

Unknown disse...

Tenho que elogiar quer o artigo quer o comentário: ambos estão magistralmente escritos.
A mim apetece-me também dizer qualquer coisa sobre o “talvez”.
É uma palavra que me tem perseguido ao longo da vida. Julgo que antes do não ou do sim eu balbuciava já o “talvez”. Veio , não sei ao certo, inscrita no meu cérebro.
Penso que a herdei do meu pai, que a dizia a todo o momento.
Foi-me sempre difícil ter certezas e daí o uso exagerado do “talvez”.
Na escola, quantas vezes, eu respondia com essa palavra hesitante, dubitativa.
Acho que queria ter certezas mas sempre restavam dúvidas.
A tal ponto que se estabeleceu dentro de mim uma luta titânica entre a certeza e a dúvida. Qualquer coisa interna, cerebral, me puxava para o “talvez”. Mas eu queria certezas .
Até que alguém, dentro ou fora de mim(não sei), me levou a aceitar que tudo é incerto e inseguro e me conduziu a instalar-me na dúvida.
A serenidade tomou, então, conta de mim e eu, definitivamente, passei a ter permanentemente apenas dúvidas.
Mudarei algum dia de postura? Talvez.
JLM

Fernando Gouveia disse...

Não está só, meu caro JLM. Também eu tenho mais dúvidas que respostas,há muitoa anos. Como prova esta humilde nota de...imagine..1984

"
TALVEZ...


Talvez não saiba como o amor é amargo
Talvez eu não sinta o espinho das dores
Talvez dos espinhos só recolha rosas
E das dúvidas só colha os amores.

Cumprimentos.