Há
muito, muito tempo, vivia eu a minha infância em Seixo de Ansiães, quando isto
aconteceu.
Um
pobre homem, pacato, respeitador, tinha determinados momentos de loucura
medonha.
Neles,
gritava pelas ruas, apedrejava qualquer vulto, levando o terror a todos nós,
que nos metíamos em casa e fechávamos todas as portas.
Esses
momentos passavam, o homem acalmava e, como que acordando, perguntava-se porque
não via ninguém. Por vezes, delirava deitado; uma crente(custa-me dizer beata)
punha-lhe um crucifixo na mão e fazia o exorcismo do diabo: o homem voltava ao
estado normal.
Todos
aceitávamos que o ritual tenha de ser este e não víamos outra saída.
Estávamos
numa altura em que a crença na ciência era nula.
O
homem acabou assassinado por uma navalha de sapateiro.
Há
uns anos(três, quatro), numa aldeia perto de Carrazeda, um homem, saído havia
pouco da cadeia, começou a sentir que se tornava perigoso porque deixara de
tomar os medicamentos que costumava tomar em clausura. Dirigiu-se algumas vezes
ao posto da GNR a solicitar que o reenviassem para a prisão. Claro que nunca
foi para lá reenviado por não haver razão para tal.
Descontrolado,
o pobre homem matou duas pessoas, salvo erro. Imediatamente seguiu para o lugar
donde nunca devia ter saído, porque só lá era devidamente tratado.
Aconteceu
agora em Arnal que uma pessoa tinha um comportamento que a todos os vizinhos
preocupava e que não augurava nada de bom. Agora, a população queria que o
homem se tratasse e que não regressasse enquanto constituísse perigo para quem
com ele convivia.
Já
não pensaram em resolver as coisas com exorcismos e deslocaram-se a Carrazeda a
pôr o problema, após um desacato provocado pela pessoa visada, desacato que não
foi motivo de prisão. Passados uns dias, o que se temia aconteceu: houve crime
de morte e já houve prisão.
Entretanto,
morreu um ser humano.
O
que se pergunta é se as autoridades não deviam ter tomado medidas. Como se
trata de um caso de indivíduo perigoso(mentalmente descontrolado),portanto, um
caso médico, devia, em primeiro lugar, ter sido preocupação das entidades de
saúde. Havia que arranjar processo de ser medicado e controlado.
Verificando-se
haver dificuldade em resolver o problema extrajudicialmente, então podia recorrer-se
ao processo prescrito na lei de saúde mental.
Há
quem pense(bastonário da Ordem dos Advogados, por exemplo) que a lei de saúde
mental não deveria permitir prender, mesmo com ordem do juiz, ninguém, ainda
que com a finalidade de o tratar. O tratamento compulsivo constituiria, para
quem assim pensa, um grave atentado contra a liberdade humana.
Eu,
por mim, penso que há casos em que um indivíduo se torna perigoso porque o seu
cérebro funciona mal. Julgo que há que tomar medidas para tratar a pessoa e
defender a sociedade.
A
referida lei de saúde mental permite fazê-lo. Para quê , em casos flagrantes de
demência perigosa, esperar pela prática de um crime que permita a prisão?
João
Lopes de Matos
1 comentário:
Em Arnal o que se devia ter passado seria o centro de saúde ter tentado resolver o caso,medicando o indivíduo perigoso. Não sendo isso possível,deveria ser chamado a agir o MP, a solicitação da GNR(o que aconteceu).O MP deveria ter atuado de imediato,dada a perigosidade do indivíduo,já demonstrada na pessoa que ele tinha atacado.O processo previsto na lei de saúde mental é moroso e,por isso, o MP deveria ter atuado com especial diligência,o que ,é evidente,não aconteceu.
JLM
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