24 novembro 2012

AINDA A CRISE: João Lopes de Matos



Tal como era esperado, a crise vai-se aprofundando.
As lojas de roupa fecham; os restaurantes igualmente; as obras públicas param; as fábricas não têm encomendas; os serviços públicos são menos solicitados.
O desemprego dispara e deixa as pessoas sem meios de subsistência. A caridade torna-se em solução primordial. A dignidade é substituída pela lei da sobrevivência.
Mas era preciso passar a viver segundo as nossas possibilidades.
Admitindo que sim, então deveríamos todos ser reduzidos nos rendimentos na proporção necessária. Chegaríamos a uma situação em que todos manteríamos os rendimentos, diminuídos embora.
Não foi isso que aconteceu, no entanto. A justiça, tão aspirada por muita gente, é impossível de realizar.
Se todos vissem reduzidos equitativamente os rendimentos, ainda assim era certo que diminuiriam os meios de pagamento nas mãos das pessoas. E a atividade económica não poderia manter o nível anterior. Sempre algumas atividades teriam que ser afetadas: a restauração, por exemplo.
Os setores afetados veriam reduzidas as suas receitas e teriam de despedir pessoal ou até fechar. A bola de neve iria engrossando, após as primeiras consequências.
As medidas tomadas incidiram mais sobre certos setores e estes foram atingidos de forma fatal. O desemprego avançou em diversas áreas e constitui o maior flagelo atual.
Há, portanto, quem ainda tenha alguns rendimentos e quem não tenha nenhuns. Estes sentem não só a perda de dignidade por terem deixado de desempenhar as funções que exerciam na sociedade mas também se sentem parasitas  por terem sido obrigados a viver à custa dos outros.
E hoje como se sai disto? Com investimentos públicos quando o Estado não tem dinheiro sequer para saldar as suas dívidas? Com investimento privado quando as pessoas não têm dinheiro nem quem lho empreste? Com investimento estrangeiro quando ele tem tantos sítios onde aplicar-se em melhores condições?
Por outro lado, antes da crise, as mudanças já estavam a operar-se a grande velocidade, através das alterações derivadas das novas tecnologias, dos novos hábitos, da concorrência entre as novas empresas(modernas) e as empresas antigas. Isto seria suficiente para provocar enormes sobressaltos, difíceis de ultrapassar sem sofrimentos vários.
Se a tudo isso juntarmos os efeitos devastadores da crise, teremos como resultado a ruína rápida de tudo e a necessidade de criar tudo de novo, isto é, de modo moderno, assente em tecnologias novas e organizações com um funcionamento inteiramente diferente.
Teremos uma agricultura , uma indústria e uns serviços inteiramente novos, que não exigirão muita mão de obra e, por isso, não possibilitarão o aumento necessário de empregos, mantendo-se muita capacidade de trabalho inaproveitada.
Onde irão as pessoas desempregadas obter receitas para poderem viver? Será que teremos de mudar de modo da distribuição dos rendimentos, uma distribuição que não assente, como em grande parte até aqui, no  pagamento do trabalho produzido?
João Lopes de Matos

6 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Boa reflexão, JLM! Acho que pôs o dedo na ferida deste século: o fim do paradigma da distribuição do rendimento com base no trabalho.
Como as necessidades mundiais podem ser satisfeitas com muito menos mão de obra, o que fazer com os que não são necessários?

Em jeito de provocação, um escritor francês escreveu que afogar no mediterrâneo os milhões de desempregados não provocaria um tsunami e apenas elevaria o nível das águas de um centímetro!

Mas há quem estude há muito a questão do fim do trabalho. O grupo de pensadores Krisis já publicou muitos ensaios sobre a questão. Parece que é necessário assumir que a ilusão do trabalho para todos é uma utopia. O que nos leva à necessidade de pensar noutra forma de distribuição do rendimento.

A menos que se entenda que quem não tem trabalho é culpado e deve desaparecer do mapa humano.

Anónimo disse...


Belíssima reflexão, com efeito.
JLM e FG tocaram na tecla certa: o paradigma do mundo do trabalho!

As novas tecnologias são imparáveis, todos o sabemos… como imparáveis serão os problemas daí decorrentes.
Não estará muito longe o tempo em que o homem assistirá a todo o desmoronar de um mundo que pensava seu.
O que se seguirá? Não sei… sei, ou melhor, pressinto, que o mundo tal como hoje o conhecemos desparecerá.
Mas também sei, ou melhor, pressinto que este nosso mundo não irá acabar.
Outros tempos virão e com eles novas mentalidades surgirão.
Serão melhores, serão piores? Isso eu também não sei (ninguém sabe).
Mas a minha inteligência diz-me que alguma coisa terá de mudar… é impossível continuar a ver o meu semelhante sem trabalho, sem sonhos, sem futuro.
Conheço alguns ensaios dos pensadores Krisis… a conclusão (como diz FG) só pode ser uma: a ilusão do trabalho para todos é realmente uma utopia.
E é precisamente a utopia que me deixa preocupado… e receoso.
É que a utopia está a deixar de ser utopia…
Em Outubro, Portugal ocupava a 9ª posição no “clube” dos países candidatos à bancarrota… hoje estamos na 4ª posição do “ranking”.

O tempore, o mores!

CF

Unknown disse...

Caros FG e CF: - Mais uma vez fui apanhado por vós em falso em mais uma matéria: desconhecia completamente que existisse um movimento que se caracterizasse por pensar sobre o assunto em questão. Isso só prova, mais uma vez, que os vossos conhecimentos estão mais inseridos nas grandes correntes de pensamento e os meus são em grande medida o resultado do cogitar próprio , não direi dum provinciano, mas dum homem da província.
Sempre quero dizer que me parece que esta nova visão está não só contra a valorização excessiva do trabalho manual como mesmo contra a importância do trabalho(tout court) para a definição de dignidade humana.
O ideal mesmo de “pleno emprego”, que levava em certos casos à colocação desnecessária do homem no processo produtivo, perde toda a razoabilidade .
É necessário que trabalhem as pessoas que são necessárias à produção, não mais que essas.
As outras farão o que as circunstâncias concretas ditarem, sendo certo que todas terão direito aos rendimentos que a sociedade possa proporcionar.
JLM

Unknown disse...

Ficamos a saber que o problema é sério e a solução dificil, ou quiça impossivel.O problema do emprego é uma coisa.Os problemas que surgiram com a dívida do nosso estado é outra.Os politicos que nos governaram durante estes 38 anos, tiveram e têm culpa no que se passou e ao estado a que isto chegou.Sabemos que até Cavaco Silva,foi o coveiro da industria, agricultura e da nossa frota pesqueira em troco de milhares de euros que vierqm para Portugal.E, não há culpa?Politico em pORTUGAL NÃO PODE SER JULGADO OU CONDENADO PELOS SEUS ACTOS? Afinal o povo é que paga e sofre, até nisto uns sofrem mais ue outros.

Anónimo disse...

Meu Caro JLM

O "movimento" que Fernando Gouveia e eu refrimos ("Grupo de Pensadores Krisis") não é novo.
Eis alguns dados:

Este "Grupo Krisis" foi fundado em 1986, em Nuremberg , por intelectuais alemães e ativistas influenciados pela obra de Guy Debord e Theodor Adorno .

O grupo publicou a revista teórica Krisis: "Contribuição para a Crítica da Sociedade “Commodity” , e a revisão crítica marxista".

Krisis tem organizado seminários e debates, e tem artigos publicados (com diferentes opiniões)em diversos países europeus e sul-americanos.

Em seu ideário, o grupo propõe uma crítica da sociedade capitalista contemporânea com base em uma reinterpretação fundamental de Marx (análise do trabalho , a mercadoria , valor e dinheiro em Das Kapital) .

Krisis argumenta que existe uma distinção entre uma análise «exotérica» e «esotérica» do capitalismo nos escritos de Marx.
A análise do termo "exotérico" de Marx (associado com seus primeiros trabalhos) é uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho ou da classe trabalhadora; um ponto de vista que leva inevitavelmente a uma ênfase na luta entre capitalistas e trabalhadores, bem como a redistribuição de riqueza, como o objetivo da luta de classes.

A análise de Marx "esotérico" do capitalismo, por outro lado, é uma crítica ao histórico específico “forma” em que o trabalho e a riqueza assumem no capitalismo - trabalho abstrato e valor.
Além disso, ele identifica a dominação no capitalismo com estas formas determinantes historicamente, mais do que com as classes ou indivíduos, como o trabalho excedente apropriado e riqueza das classes trabalhadoras.

No “Manifesto Contra o Trabalho” , Krisis argumenta contra a noção tradicional marxista da luta de classes como motor da história.

De acordo com a Krisis, não existe uma classe-sujeito.
A luta entre o proletariado e a burguesia não é uma luta entre uma classe revolucionária e do seu opressor, mas sim uma luta entre dois interesses opostos que são essenciais para o capitalismo e que formam um "campo de trabalho" único.

Ao contrário do tradicional marxismo , Krisis afirma que a luta contra o capitalismo não é a luta para a libertação do trabalho, mas sim uma luta pela libertação do trabalho.

Boas leituras.
Estes temas são deveras apaixonantes.

CF

Unknown disse...

Caro MBP: - Parece-me que o meu amigo acredita demasiado na capacidade redentora da justiça. Será mesmo assim?
Já pensou no que seria julgar agora Cavaco Silva por ter reduzido a idade da reforma de alguns docentes para os 55 anos? E julgá-lo por durante muito tempo ter permitido que os funcionários, após a reforma, ganhassem muito mais do que enquanto estavam ao serviço?
E que tivesse permitido aumentos de vencimentos absolutamente incomportáveis para as possibilidades do país, de que, aliás, eu e o MBP beneficiámos e muito?
Já pensou que teria também de julgar Guterres pelas imensas facilidades e privilégios espalhados? E Sócrates ficaria a rir-se quando espalhou estradas e autoestradas por todo o país, de que também foi beneficiário o nosso concelho e todo o Trás- Os – Montes? E quando Sócrates se enganou no modo de saída da crise( ou foi levado ao engano pela UE, que não o apoiou) aplicando muitas medidas de despesas públicas, acreditando que, desse modo, evitaria a recessão?
Como vê, tudo é muito complicado. Que lucraríamos em tentar fazer Justiça? Passar muitos meses ou anos a debater o passado e a olvidarmo-nos de tomar as medidas que o presente exige?
É melhor encontrar solução para os problemas tal como hoje se colocam e pensar, por exemplo, que , como houve uma engenharia financeira que pôs tudo em pantanas(nos EUA, primeiro, e, depois, na Europa) , talvez se possa arranjar uma outra engenharia financeira que faça o contrário, que componha tudo isto, sem haver necessidade de tantas medidas de austeridade, com as quais estamos bem entregues ao colapso total, com todos os sofrimentos daí decorrentes.
JLM