27 outubro 2012

A minha “Carta a Garcia”: Carlos Fiúza




Sim e Não, duas palavrinhas poderosas.

Muito da nossa vida, da nossa felicidade sempre ansiada, ou da nossa pouca sorte sempre aborrecida, muito do palpitar do nosso coração depende em grande escala destas duas palavrinhas que dizemos num ápice: - não ou sim?, ou, às avessas, - sim ou não?
Sonhos esplêndidos, trabalhos de longos anos, empresas arriscadas, resoluções promissoras de paz individual ou coletiva - tudo isso muita vez precisa de aguardar o resultado da luta entre estas duas palavras - a poderosa e desejada palavra sim, ou a terrível e temida palavra não.
Não posso continuar minha divagação, sem trazer muito adrede aquela inolvidável página do genial padre Vieira que, ia jurar, está bailando já no espírito de quem me lê e a conhece.
O grande pensador e não menor expressionador da Língua portuguesa deixou à meditação de todos nós essa maravilha de conceito e de forma, que nunca será desagradável rememorar.
(Antes de reproduzir o pequeno trecho, devo explicar que mestre António Vieira recorreu ao latinismo non, ao tecer considerações imaginosas a respeito do não. Isto é, em vez de falar do não português, o orador escolheu a forma latina de negar - non.
Disse, pois, o excelso padre António Vieira:

“Terrível palavra é um “non”!
“Não tem direito nem avesso: por qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim ou do fim para o princípio, sempre é “non”.
“Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela, por que não o mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés, e logo perdeu a figura, a ferocidade, a peçonha”.
“O “non” não é assim: por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o ultimo remédio que deixou a natureza a todos os males. Por mais que confeiteis um “não”, sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis, sempre é ferro. Em nenhuma solfa o podeis pôr, que não seja mal soante, áspero e duro”.
“Quereis saber qual é a dureza de um “não”?
“A mais dura cousa que tem a vida é chegar a pedir e, depois de chegar a pedir, ouvir um “não”. Vede o que será.” Por que dizer “não” a quem pede é dar-lhe uma bofetada com a língua”.
“Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um “não”. Para a necessidade, dura; para a honra, afrontosa” e para o merecimento, insofrível”.

Estas verdades, tão sugestivas e formosamente expostas pelo padre António Vieira, dispensam o meu pobre, embora veemente, elogio. Por isso, em vez de exalçar a beleza expressional e espiritual desta página modelar, eu apenas lhe extraio, para reforço do que desejo filosofar, esta consideração felicíssima:

“Quereis saber que á a dureza de um “não”? A mais dura coisa que tem a vida é chegar a pedir e, depois de chegar a pedir, ouvir em “não”… Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um “não”!... “

Que o Mestre tinha razão neste pensamento, nesta observação, escusado será dizê-lo, porque todos os corações recordam negas dolorosas.
Talvez neste momento me esteja a ler alguém que um dia rogou a Deus, ansiantemente, que não consentisse a morte de um ente querido. Deus não pôde escutar a prece. E o filho, o pai, a mãe, a esposa, a noiva, que morreram, deixaram na saudade de quem os perdeu a terrível palavra NÃO!
Não, já não vive quem eu amava tanto!
Talvez me esteja a ler algum doente que quer melhorar, e a doença, embora algum dia lhe traga um sim de esperança, a doença teimosa lhe está dizendo, impertinentemente - ainda não!
Talvez alguma enamorada esteja inquieta, porque hoje lhe aconteceu surpreender-se a dizer, desconsolada: não, ele não me quer!
Talvez, até, algum petiz esteja amuado, porque a “mamã” não o deixou comer um rebuçado.
Enfim, o não é, de facto, um tirano, um sujeito mais arrasador do que a “bomba atómica”.

E se o não é nasal… também o SIM o é!
E nem por isso deixa de ser… radiosamente afirmativa, atraente, agradável!
O sim e o não preponderam tanto na linguagem dos homens, que por vezes se revezam, cansados do que significam.
E assim é que o não que recusa pode ser um sim de esperança.
Um sim hipócrita pode trazer consigo a nega mais cruel!

Neste meditar sobre essas pequenas grandes palavras, verdadeiras alavancas do Mundo, vem muito a propósito esta opinião de Castilho:
Que de vezes a boca exprime um tíbio não, enquanto oculto sim nos queima o coração”.

Digamos o não… mas não receemos o SIM!


Carlos Fiúza

P.S. Sim ou não… (tema base do artigo do JLM - A Literatura). A minha “posição” é SIM, (sempre)!

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