III - Os
“macaquinhos”!
Sempre que estou a ler um livro, vou anotando as
reflexões que uma frase ou um período me suscitam.
Este hábito foi "herdado" de meu Pai, que
sempre me dizia: "Rapaz, tem sempre contigo lápis e papel para anotares
tudo o que te mereça reparo. Verás que essas anotações ainda te vão ser
úteis".
Vem isto a propósito de um livro que retirei da estante, um ensaio de semântica sobre a língua francesa, de que é autor Thomassom e que se intitula "Naissance et Vicissitudes de 300 Mots et Locutions".
Abri o livro... e elas (as anotações) lá estavam, arrumadinhas, em letra bem miudinha (e a lápis!), marginando meditações referentes à língua
Vem isto a propósito de um livro que retirei da estante, um ensaio de semântica sobre a língua francesa, de que é autor Thomassom e que se intitula "Naissance et Vicissitudes de 300 Mots et Locutions".
Abri o livro... e elas (as anotações) lá estavam, arrumadinhas, em letra bem miudinha (e a lápis!), marginando meditações referentes à língua
portuguesa.
Quero dizer, reflexões sobre factos da língua francesa
descritos por Thomasson e relacionados com tantos outros correntes na nossa
língua.
No livro, como o próprio título indica, o autor procura seguir o caminho semântico de 300 palavras e locuções da língua francesa.
Limito-me aos apontamentos que suponho mais interessantes, tirados das observações comparativas que (então) realizei.
Thomasson apresenta sete nomes de animais que entram em locuções populares francesas, de sentido figurado, e com as quais se indicam doenças ou falhas cerebrais.
"Avoir une araignée dans le plafond", ter uma aranha no teto (à letra), diz o autor que significa, em francês, ter o cérebro sujeito a caprichos extravagantes (le cerveau sujet à des lubies).
Pois, então, lembrarei que a aranha serve para indicar quase o mesmo em português.
Não dizemos que "fulano tem muitas teias de aranha" quando se prende com devaneios, falsas ideias, com fantasias desastrosas, ou até argumentos facilmente combatíveis pela vassoura da reflexão?
Entre a expressão que o autor francês cita, avoir une araignée dans le plafond, e a nossa das teias de aranha, não deixo de elogiar a intensidade expressiva da locução portuguesa, porque a palavra teia dá boa ideia do embaraço cerebral.
A teia é tão facilmente rasgável como o é qualquer teia de ideias ilusórias ou argumentos absurdos.
Regista o autor do ensaio de semântica francesa a expressão avoir des rats dans la tête, isto é, ter ratos na cabeça.
A nós, portugueses, ocorre-nos imediatamente a engraçadíssima expressão ter macaquinhos no sótão.
No livro, como o próprio título indica, o autor procura seguir o caminho semântico de 300 palavras e locuções da língua francesa.
Limito-me aos apontamentos que suponho mais interessantes, tirados das observações comparativas que (então) realizei.
Thomasson apresenta sete nomes de animais que entram em locuções populares francesas, de sentido figurado, e com as quais se indicam doenças ou falhas cerebrais.
"Avoir une araignée dans le plafond", ter uma aranha no teto (à letra), diz o autor que significa, em francês, ter o cérebro sujeito a caprichos extravagantes (le cerveau sujet à des lubies).
Pois, então, lembrarei que a aranha serve para indicar quase o mesmo em português.
Não dizemos que "fulano tem muitas teias de aranha" quando se prende com devaneios, falsas ideias, com fantasias desastrosas, ou até argumentos facilmente combatíveis pela vassoura da reflexão?
Entre a expressão que o autor francês cita, avoir une araignée dans le plafond, e a nossa das teias de aranha, não deixo de elogiar a intensidade expressiva da locução portuguesa, porque a palavra teia dá boa ideia do embaraço cerebral.
A teia é tão facilmente rasgável como o é qualquer teia de ideias ilusórias ou argumentos absurdos.
Regista o autor do ensaio de semântica francesa a expressão avoir des rats dans la tête, isto é, ter ratos na cabeça.
A nós, portugueses, ocorre-nos imediatamente a engraçadíssima expressão ter macaquinhos no sótão.
E esta nossa locução está bem pensada, não só em
virtude de se figurar a parte superior da cabeça como um sótão do nosso
edifício humano, mas, ainda por cima, em vista de lá se arquitetar a instalação
de uma aldeia de macaquinhos, causadores, pelos destrambelhos tão próprios da
sua natureza, dos desatinos de quem os alberga.
Outro assunto relacionável com problema da nossa língua é a pequena nota a respeito de chèvre.
Ao lê-la, renovei esta interrogação a mim mesmo:
- Porque será que se diz em português - prender o burro ou estar com o burro preso, no sentido de se zangar?
- Será possível descobrir-se a razão de ser de tal locução?
Em português o burro entra, inexplicavelmente nestas frases - estar com o burro, estar com o burro preso e prender o burro.
Outro assunto relacionável com problema da nossa língua é a pequena nota a respeito de chèvre.
Ao lê-la, renovei esta interrogação a mim mesmo:
- Porque será que se diz em português - prender o burro ou estar com o burro preso, no sentido de se zangar?
- Será possível descobrir-se a razão de ser de tal locução?
Em português o burro entra, inexplicavelmente nestas frases - estar com o burro, estar com o burro preso e prender o burro.
Temos ainda a expressão "estar de burros com alguém", isto é, zangado com essa
pessoa.
A própria palavra amuam, sinónimo de tais expressões, também é misteriosa, embora pareça que se relaciona com mu ou mulo, animal difícil de domar.
O caso complica-se, quando se estabelece comparação com outras línguas.
Em francês diz-se se cabrer ou prendre la chèvre (prender a cabra), no mesmo sentido de zangar-se.
Uns semasiologistas aventam a hipótese de a locução provir de alguma velha farsa; outros relacionam-na com um antigo "jogo de cabra" (Cf. Thomasson).
Penso não ser de admirar esta divergência de os franceses dizerem "prender a cabra" e nós o "burro". Há divergências mais acentuadas.
Os italianos empregam a locução pigliari la monna, prender a macaca.
Portanto, o animal preso varia.
Já que os semasiologistas, os eruditos, não apresentam solução, aqui vai esta minha hipótese, relacionando-a com a deles:
A palavra burro (veja-se Aulete) pode querer dizer - mau humor.
Ora eu pensei no seguinte - simboliza-se nesses animais o mau humor.
E, assim como os animais (o burro em português, ou a cabra em francês ou a macaca em italiano) quando estão presos, estão mais zangados do que livres, “estar com o burro preso”, “prendre la chèvre”, “se cabrer” ou “pigliari la monna”, simbolizam a zanga.
Limito-me a dar uma hipotética explicação, e não me envergonho, porque os gramáticos confessam-se impotentes para explicar o mistério das correspondentes frases (cientificamente, leia-se).
Aponta o livro francês a expressão faire une chose à la barbe de quelqu'un, a significar que se faz uma coisa provocando insolentemente e de perto.
Nós, em português, também dizemos o mesmo. E muita vez acrescentamos - nas barbas da autoridade.
Penso que o coexistirem estas frases se explica muito facilmente por ser (?), ou por ter sido, a barba um símbolo de respeito.
No próprio francês existe uma locução - rire dans sa barbe, zombar nas próprias barbas.
Declarar, dizer o nome é o que em Português natural dizemos.
Pois, modernamente, anda muito na berra a expressão - declinar o nome, e até declinar a identidade.
Ouçamos o que diz Thomasson: "a locução decliner son nom foi usada primeiramente por gracejo, pois um nome de pessoa não se declina... Dizia-se de um homem de ignorância crassa que nem sequer sabia declinar o nome".
A própria palavra amuam, sinónimo de tais expressões, também é misteriosa, embora pareça que se relaciona com mu ou mulo, animal difícil de domar.
O caso complica-se, quando se estabelece comparação com outras línguas.
Em francês diz-se se cabrer ou prendre la chèvre (prender a cabra), no mesmo sentido de zangar-se.
Uns semasiologistas aventam a hipótese de a locução provir de alguma velha farsa; outros relacionam-na com um antigo "jogo de cabra" (Cf. Thomasson).
Penso não ser de admirar esta divergência de os franceses dizerem "prender a cabra" e nós o "burro". Há divergências mais acentuadas.
Os italianos empregam a locução pigliari la monna, prender a macaca.
Portanto, o animal preso varia.
Já que os semasiologistas, os eruditos, não apresentam solução, aqui vai esta minha hipótese, relacionando-a com a deles:
A palavra burro (veja-se Aulete) pode querer dizer - mau humor.
Ora eu pensei no seguinte - simboliza-se nesses animais o mau humor.
E, assim como os animais (o burro em português, ou a cabra em francês ou a macaca em italiano) quando estão presos, estão mais zangados do que livres, “estar com o burro preso”, “prendre la chèvre”, “se cabrer” ou “pigliari la monna”, simbolizam a zanga.
Limito-me a dar uma hipotética explicação, e não me envergonho, porque os gramáticos confessam-se impotentes para explicar o mistério das correspondentes frases (cientificamente, leia-se).
Aponta o livro francês a expressão faire une chose à la barbe de quelqu'un, a significar que se faz uma coisa provocando insolentemente e de perto.
Nós, em português, também dizemos o mesmo. E muita vez acrescentamos - nas barbas da autoridade.
Penso que o coexistirem estas frases se explica muito facilmente por ser (?), ou por ter sido, a barba um símbolo de respeito.
No próprio francês existe uma locução - rire dans sa barbe, zombar nas próprias barbas.
Declarar, dizer o nome é o que em Português natural dizemos.
Pois, modernamente, anda muito na berra a expressão - declinar o nome, e até declinar a identidade.
Ouçamos o que diz Thomasson: "a locução decliner son nom foi usada primeiramente por gracejo, pois um nome de pessoa não se declina... Dizia-se de um homem de ignorância crassa que nem sequer sabia declinar o nome".
Uma outra nota que se pode relacionar com a língua
portuguesa é a respeitante ao termo réclame.
Lembra o autor que réclame, substantivo masculino, foi termo de falcoaria, voz ou antes assobio, para chamar ou fazer achegar-se a ave; e também chamariz que atrai para armadilha.
Exatamente o mesmo sucedeu na nossa língua a reclamo de mercadoria, equivalente a chamariz.
Findo estas considerações sobre o interessante livro "Naissance et Vicissitudes de 300 Mots et Locutions" por Thomasson, relacionando ao português o que ele diz a respeito de jalousie.
Trata o autor de quatro aspetos semânticos de jalousie:
1º - no sentido de ciúme; 2.º - na aceção militar; 3.º - como termo de marinha; 4.º- na aplicação à “jalousie” das janelas.
Lembra o autor que réclame, substantivo masculino, foi termo de falcoaria, voz ou antes assobio, para chamar ou fazer achegar-se a ave; e também chamariz que atrai para armadilha.
Exatamente o mesmo sucedeu na nossa língua a reclamo de mercadoria, equivalente a chamariz.
Findo estas considerações sobre o interessante livro "Naissance et Vicissitudes de 300 Mots et Locutions" por Thomasson, relacionando ao português o que ele diz a respeito de jalousie.
Trata o autor de quatro aspetos semânticos de jalousie:
1º - no sentido de ciúme; 2.º - na aceção militar; 3.º - como termo de marinha; 4.º- na aplicação à “jalousie” das janelas.
É este último sentido que mais agora nos interessa:
"Como o ciúme incita a espiar
(escreve Thomasson), como incita a olhar
furtivamente, chegamos ao sentido... jalousie des fenêtres (gelosias,
portanto, na nossa língua)... "São grades de
madeira ou de ferro, através das quais se pode ver sem ser visto, ou
guarda-ventos formados por tabuinhas delgadas cuja inclinação se corrige por
meio de um cordão".
E assim,
- Findas as citações...
- Corro as gelosias,
… E acabam
as anotações.
Carlos Fiúza
1 comentário:
O seus contributos são preciosos e mostram-nos um cultor da lingua portuguesa como haverá muito poucos.
Permita que lhe diga,no entanto,que não é apenas com a sua louvável e importante labuta que se preserva o bom português.Este defende-se,sobretudo,com a sua difusão correcta nas escolas,primeiro,e com o uso contínuo posteriormente.
Que não aconteça o que tem acontecido até há pouco tempo,em que havia a defesa da pureza da língua entre os entendidos e não se cuidava do uso correcto no linguajar do dia a dia da maioria dos cidadãos.Só este uso correcto pela maioria da população defende a persistência do bom português.
O latim foi cultivado pelos eruditos durante séculos e séculos e,no entanto, morreu.E se o latim era uma língua perfeita!
JLM
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