Não sabemos o que nos aguarda no futuro (ninguém sabe). Mas
delinear um cenário de rotura com o passado pode ajudar.
A profunda realidade da nova situação, bem como a pertinência
das escolhas que somos forçados a fazer não devem ser tomadas de ânimo leve e
muito menos numa qualquer reunião à porta fechada coma Senhora Angela Merkel.
Pensemos, portanto.
- Será a extinção do Euro assim tão traumática para a
economia portuguesa?
- Perderemos todos por igual?
- Será difícil no curto prazo mas sustentável no longo prazo
viver com uma moeda depreciada?
- O que mudará no nosso quotidiano?
- E que transformação se produzirá na nossa economia?
- Ou não será, antes, uma perda será coletiva, onde ninguém
ganha?
Pensemos, mais uma vez.
Para que serve esse instrumento a que todos chamam “moeda”?
Qualquer moda tem, entre outras, duas funções essenciais.
Por um lado reserva de valor, ou seja, armazenamento de poder
de compra (que pode ser utilizado mais tarde e quando for conveniente).
Por outro, a de meio de pagamento.
Quando uma moeda se desvaloriza em relação a outras moedas,
quem queira comprar ativos ou bens fora do país tem de pagar muito mais.
Por exemplo, o investimento no estrangeiro exigirá muito mais
dinheiro. O mesmo na aquisição de bens.
Sendo Portugal o país mais desigual da Europa Ocidental, a
degradação desta função da moeda, por via da desvalorização, não terá
repercussão na esmagadora maioria da população portuguesa (exceto no que diz
respeito aos bens de consumo).
Quanto a estes, a quebra nas importações será muito rápida
por via da variação cambial. O disparo dos preços poderá servir, contudo, de
estímulo à produção interna (como no sector agrícola, um sector com um défice
comercial excecionalmente elevado).
Com efeito, apenas os 1% mais ricos terão a sua capacidade de
investir em ações ou compra de propriedades inibidas (justamente a faixa social
com maior capacidade de adaptação de dificuldades).
Já no que diz respeito ao comando efetivo de bens e serviços,
a desvalorização fará perder o “apetite” por bens importados. E até mesmo os
poucos bens produzidos em território nacional, que incorporam grau elevado de
matérias-primas importadas, sofreriam um processo inflacionário.
E isto porque, inexplicavelmente, este país tão fértil e com
tanto mar não é autossuficiente: 35% da totalidade do que comemos é importado.
Os combustíveis são uma caso particular.
Este produto, cotado em dólares, representa 14% de todas as
nossas importações, pelo que a sua apreciação pressionaria violentamente as
nossas contas externas.
Mas os combustíveis acarretam, ainda, efeitos reais
abrangentes. Dado o seu uso intensivo nos sistemas de transporte, por exemplo,
introduziriam um aumento brutal de custos (e com cerca de 40% da população
portuguesa a realizar anualmente viagens de lazer ou visitas a familiares e
amigos, os movimentos turísticos internos cairiam drasticamente). As viagens ao
estrangeiro tornar-se-iam um luxo, dado o fraquíssimo valor da moeda nacional
nos países de destino.
Ou seja, num cenário pós-euro, o território nacional seria um
espaço onde as pessoas seriam obrigadas a aprender a viver com a nova
realidade.
Então, a pergunta que se impõe é:
- O que significou o Euro para a nossa economia durante estes
dez anos?
SABEMOS que Portugal aderiu ao Euro com o Escudo demasiado
valorizado, ou seja, muito caro, num processo desastrado em que o nosso Banco
Central esteve diretamente envolvido.
SABEMOS que a evolução do Euro, desde então, foi a de uma
substantiva valorização: 1 Euro que em Janeiro de 2002 valia 0,88 dólares,
chegou em finais de 2011 a cerca de 1,35. Trata-se de um “encarecimento” de 4%
ao ano, contra o que se passava no resto do mundo.
Portugal tem perdido (e continua a perder), artificialmente,
competitividade.
Em finais de 2011, o Bank of America publicava um estudo da
Merryl Lynch em que se conclui que a união monetária beneficia mais a Alemanha
(as suas exportações para outros continentes são 5% mais baratas do que seriam,
caso não estivesse no Euro), enquanto impõe a Portugal quase 15% de desvantagem
cambial.
Ou seja, a política monetária europeia (gerida a partir de
Frankfurt) favorece sistematicamente sempre os mesmos - os mais ricos - criando
rombos permanentes noutros.
A esse “rombos” chamamos hoje “dívida”. E no entanto, apesar
da histeria mediática, e apesar da obsessão exclusiva da “troica” com a
“dívida” pública, dados oficiais (INE) mostram que em 2010 apenas 28,9% do
endividamento total da economia portuguesa correspondia ao Estado.
Queira-se ou não, o Euro tem sido um colete-de-forças para o
sector exportador.
País que não controle a moeda, que não possa fazer
“ajustamentos” ao seu valor, está sempre na mó de baixo.
Outros sectores há, contudo, que têm ganho (e muito). Um Euro
forte representa, na prática, um subsídio às atividades de grupos altamente
importadores (Jerónimo Martins e Sonae Distribuição) com claro prejuízo do
tecido produtivo nacional e da Balança Comercial do País. O que não os
impedirá, no futuro (se os impostos aumentarem), a deslocalizarem as suas sedes
para outros paraísos fiscais (Holanda, por exemplo).
E no entanto, este é o mesmo Euro que tinha, até aqui,
permitido uma “vida folgada”…
É o mesmo Euro que tinha permitido à Banca aliciar os
consumidores com dinheiro fácil e barato…
O desequilíbrio tornou-se “negócio” para muito boa gente…
gente essa que hoje alija as culpas, atirando-as para cima de toda uma
população que vivia, dizem agora, “acima das suas possibilidades”.
Será/seria penoso sair do Euro? Com certeza.
Mas como será/seria permanecer no Euro?
Entre um túnel ao fim do túnel ou um túnel que nos conduzirá
à Idade Média que preferir?
Não sei responder. Sei que fomos apanhados por uma má
arquitetura institucional das élites monetaristas de Frankfurt, SEM REFERENDO!
A nossa escolha será sempre uma escolha entre dois níveis do
Inferno de Dante!
E se já nos esvaziaram a economia nacional, só nos faltava
sermos esvaziados de autonomia política...
Aquietem-se, pois, as avestruzes… As políticas passam, o
nosso País, velho de 900 anos, permanecerá!
Carlos Fiúza
1 comentário:
Que grande análise!
Fundamentada, esclarecida e muito inteligente.
Dois cenários dantescos para o futuro de um país numa encruzilhada terrível.
Porém, há um pensamento veiculado por José Gil, ontem à TSF, a que devemos dar atenção: ser bem comportado e fazer tudo o que a troica nos manda, não é o caminho certo porque conduz ao definhamento geral! Haverá necessidade de alguém dizer "basta" e indicar um rumo diferente.
Esses trilhos envolvem riscos, mas acima de tudo, precisamos de coragem e elites políticas esclarecidas.
Enviar um comentário