03 setembro 2016

O Ecce Homo de Selores



Nas nossas igrejas e capelas repousam objetos de inegável valor. Em Selores, o “Divino Ecce Homo” é uma bela imagem da arte sacra do concelho de Carrazeda de Ansiães e sobre ela se conta uma história, também bela e inspiradora. Apressamo-nos a contar:
Certo dia passou pela aldeia um pobre pedindo esmola. Ao chegar ao largo deparou com um perfeito tronco de amoreira.
No largo conversavam um grupo de pessoas ao sol, dirigindo-se a elas disse-lhes:
- Que belo pau para fazer um santo!
- E vós sois capazes de o fazer? – interrogaram-no em jeito de desafio.
- Olhem, põem-me aí num lugar, eu e o pau, fechem a porta e, durante três dias, não ma abram!
Algumas das pessoas que se encontravam no largo soalheiro, breve se aprontaram a arranjar as ferramentas, outras pegaram no tronco e levaram-no para uma casa situada ali bem perto. Aí se instalou o mendigo. Fechou a porta por dentro e durante três dias ninguém mais pode contactá-lo, nem tão pouco vivalma lhe pôs a vista em cima.
Ao terceiro dia, como fora prometido, a porta da casa, onde se abrigara o mendigo estava aberta e, com ansiedade, por ela alguém entrou.
Do mendigo nem um sinal, e, a partir daí, ninguém mais o viu. Bem o tentaram procurar por toda a aldeia e arredores, mas em vão. Muitos juravam que se tratava do próprio Cristo.
Lá dentro encontrava-se tão só uma belíssima imagem de Jesus de Nazaré, flagelado, atado e com a coroa de espinhos. À imagem que restou e à fé dos homens são atribuídos diversos milagres e bem-aventuranças. Entre os muitos milagres conta-se aquele que alguém ouviu por aí contar: “uma ocasião, andava um senhor à caça, andava lá prás ribeiras, quando se lhe disparou um tiro na barriga, que até as tripas lhe ficaram na mão. E então prometeu-se a ele, ao Divino Senhor Ecce Home, para que o salvasse, e o homem viveu.”
O Divino Ecce Homo, como refere o Evangelho segundo São João (19.5), foram as palavras pronunciadas pelo governador romano Pôncio Pilatos quando apresentou Jesus torturado perante a multidão hostil, à qual Pilatos submeteu o destino final do réu, posto que ele, Pilatos, lavava as mãos. Na iconografia cristã costuma chamar-se Ecce Homo ou Senhor da Cana Verde, vulgarmente com ela na mão a servir-lhe de cetro, às figurações de Jesus apresentado em sofrimento.
Aí está aquele Cristo na Igreja Paroquial de Selores, meio despido e tão igual ao ser e estar das humildes gentes, uma chaga dos pés à cabeça e tão dorido como as agruras do trabalho e da vida provocam na pobre gente, ao mesmo tempo, um Cristo que mantém a dignidade, tal qual a alma honrada dos rurais. O Senhor da Cana Verde é a personificação da fraternidade que une o homem humilde ao sobrenatural.   Assim sem mais…

É belo este pau de amoreira, cortado a golpes de navalha, pincelado com modestas tintas e soprado com o bafo santo da inspiração do artista que vale nas aflições das gentes humildes...

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