Caro Hélder:
Nesta disputa entre a EDP e os ecologistas, e recorrendo à vossa metáfora, há peixinhos e peixões. Não será difícil descobrir o peixão. Mas voltamos à metáfora contextualizada e interpretada face à realidade actual. O Sermão aos peixes foi o recurso usado por Santo António depois da frustração de não ser ouvido pelos hereges e de estar em causa a sua própria vida. E que fez o pregador? Retirou-se e calou-se covardemente? Não! Consciente da sua doutrina virou-se para os peixes. É o que muitas vezes fazemos à imagem do santo, pois os homens não querem crer no que se prega. Ao menos os peixes ouvem e calam.
Deixe-me continuar a metaforizar. O sermão de Santo António aos peixes foi mais tarde elaborado pelo padre António Vieira e proferido na defesa dos índios brasileiros e na censura aos colonos portugueses. Esta excepcional alegoria merece uma (re)leitura (eu assim fiz) porque mostra uma surpreendente actualidade.
O pregador louva as virtudes e repreende os vícios dos peixes em paralelo com a vida dos homens. Entre os louvores destaca a obediência dos ditos e as referidas virtudes de não ouvir e falar. À luz dos dias de hoje até parece que nada mudou - grosso modo, é-se obediente, mudo e surdo. Eu pecador confesso não posso aceitar tal virtude.
Agora alguns defeitos. O maior apontado é aquele dos grandes comerem os pequenos. Esta tem também sido a história do “peixão” aqui assinalado - leva os nossos recursos sem nos dar nada (ou muito pouco) em troca. O que agora nos colocam no anzol (a mim não me apetece mordê-lo) é uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, que muitos querem de forma cega e ignorante agarrar. Se quisermos estender a analogia a todos os peixões basta parafrasear Vieira: "os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros”
As virtualidades da construção da barragem não são assim tão claras como as explana. Quanto à impossibilidade de tornar a linha férrea segura e rentável (existe alguma no país economicamente viável?) é que não posso concordar: repare que não há investimento sério na linha há mais de cem anos, eu confio no engenho do homem, e a aposta na ferrovia é um aposta de futuro também pela poupança energética.
Mas suponhamos que a barragem é a solução. Neste país que se pretende de direito, a EDP é obrigada no caderno de encargos à manutenção da ferrovia e a arranjar uma solução. E isso teremos que exigir, mesmo que o governo central tenha transformado este processo numa "barafunda total" . E mais - terá de haver contrapartidas sérias e claras, que se traduzam em investimento para a região e melhoria das condições dos seus habitantes, em troca da exploração dos recursos naturais. Não só porque a solidariedade tem tido um único sentido, daqui para o país e pouco em contrapartidas; mas também porque somos a região mais deprimida e pouco desenvolvida porque ostracizada pela administração central.
E permita-me acabar citando Vieira no sermão de Santo António aos peixes: “importa que de aqui por diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um, para que não suceda que, assim como hoje vemos a muitos de vós tão diminuídos, vos venhais a consumir de todo.”
Estou certo, se não os homens, de que os peixes me hão-de ouvir.
10 comentários:
Os peixinhos do Tua…
Quase se torna ocioso encarecer o valor da Arte vieirense, porque ela dispensa elogios; por si mesma fala.
Se muitas e muitas são as qualidades do seu estilo, talvez a maior esteja neste fundir de ideia e palavra, conceito e termo, pensamento e expressão.
Até nos mais engenhosos raciocínios, nas análises mais minuciosas, nas meditações mais profundas, Vieira se nos mostra fluente, mas preciso; variado, mas justo; fulgurante, mas naturalmente próprio; eloquente, mas exato no emprego das palavras.
Da propriedade dos termos advém sempre a sequência analógica nos elementos frásicos, mas naturalmente - a constituirem belas alegorias.
Ironia, graça, eloquência, intensidade expressional, exatidão de termos, fecundidade de conceitos, em suma genialidade de expressão – eis o que vamos encontrar no Verbo de António Vieira.
Foi feliz, pois, José Alegre Mesquita ao desenvolver o presente “Sermão”.
Como especialmente feliz foi a sua parte final:
“Estou certo, se não os homens, de que os peixes me hão de ouvir”.
"Semper et ubique".
Carlos Fiúza
Considero-me um privilegiado quando o meu amigo me dedica esta mensagem, plena de simbolismo e com um recado final que muito me emocionou. Corre-se risco, quando se sita Santo António fora do contexto. No caso quero assumir toda a consequência deste risco. Afinal o Santo não tem culpa que o use para glosar sobre aquilo que eu considero serem apreciações que pondero de modo diferente.
Conhecendo o meu amigo a minha opinião, também escrita, sobre as contrapartidas que eu considero que deveríamos exigir à EDP e ao Estado, pelo desaparecimento do rio selvagem, estranho que dê a entender que me coloco do lado dos " peixões". A questão para mim é mesmo a de encontrar o caminho realista que traga para o meu povo aquilo a que tem direito. E pelos vistos seguimos caminhos diferentes. No meu caso tenho assumido que não possuo certezas sobre a fundamentação científica das minhas convicções nesta questão da manutenção do Rio Tua selvagem. Infelizmente, neste desiderato também me não pode ajudar muito. Percebo que não é impossível mas, seria útil, por exemplo, perceber como é realizável manter a linha de caminho de ferro do Tua e, fazer a barragem prevista. Também não é impossível sonhar comparações como, por exemplo, faz o nossos amigo Helder Rodrigues, ao dar o exemplo dos comboios suíços, na sua comparação com o percurso ferroviário do Tua. Com jeito podemos imaginar Mirandela transformada numa Geneve, já que já possui lago e só faltaria dar mais virilidade ao repuxo que este tem.
Afinal o que é ficção e possível realidade? É nesta dicotomia que eu navego. Vejo movimentos de pressão a tentar viabilizar uma linha de caminho de ferro que o desleixo humano tornou quase inútil mas não vejo pressões para, pelo menos, se tentarem meios de transporte públicos para as populações acederem a esses percursos. Vejo acontecerem acidentes com a queda de pedregulhos na linha mas, por exemplo não vejo pugnar para que se reflorestem as encostas de onde os pedregulhos vêem, para que se minimize este problema. Ousam pregoar o Rio selvagem mas não vejo criticar-se um região onde. por desleixo de responsáveis identificados, se mata e polui o rio desde há décadas. Alguns transcendem-se, julgo que conscientemente, sugerindo o exemplo dos comboios de alta velocidade dos cantões suíços, para imaginar um rio, seco no verão, pleno de potencialidades turísticas. Começo a ficar velho, parece que já não consigo ser paciente para com os outros visionários.
É assim que, com outra argumentação, também poderia citar a s frases finais da sua argumentação. O ponto está em discernir quem estará mais próximo da veracidade. Pessoalmente só desejaria que no caso, o meu " apetite particular" se tivesse motivos para existir se não sobrepusesse ao dos " zelosos do bem comum". Conte comigo para fazer de humilde "peixe" atento à sua opinião.
É sempre um privilégio argumentar consigo, caro escultor.
Mas vamos ao que interessa para tudo ficar claro como a água e sem qualquer alegoria e mal-entendido.
A questão da barragem se constituir como uma boa fonte de produção de electricidade é contestada não só pelas organizações ambientalistas, como também pela própria comunidade europeia que num estudo divulgado este ano refere que o nosso governo avaliou mal os impactos e a verdadeira necessidade das barragens. Ela pode ser um investimento interessante para a empresa que a vai explorar, a EDP (que nos trata mal em serviço, consideração e contrapartidas), quando poderia haver investimento autárquico em mini-hídricas que assegurariam uma fonte futura de rendimento preciosa para o que se avizinha, Mirandela já tem.
Porém, estou perfeitamente convencido que para a região transmontana, a construção da barragem de Foz Tua tem impactos negativos superiores aos positivos, provocará uma perda irrecuperável do transporte público, da paisagem e da agricultura de Carrazeda, que se tornará mais pobre e despovoada. A barragem vai alagar o fundo do vale do Tua considerado de elevado valor ecológico e paisagístico, afecta a paisagem da região do Douro Vinhateiro e destruirá grande parte da linha do Tua. Esta é um recurso pleno de potencialidades, como é o caso da Suíça, de Espanha, do Brasil, é só pesquisar na net, e não precisa de ser de grande velocidade.
Em caso da irreversibilidade da construção da barragem, que é o cenário colocado, terão de ser dadas contrapartidas importantes, entre elas: infra-estruturas turísticas (cais e praias fluviais), recuperação das termas de S. Lourenço, partilha dos lucros da produção da energia eléctrica, alternativa de ligação ao restante troço da linha do Tua…
Por último. eu não quero ser dono da verdade, e o que é isto da coisa certa, pois que voltando á doutrina, nem Cristo nos explicou. À pergunta de Pilatos preferiu o silêncio. O que estou é convencido de a que a barragem não é melhor negócio para os carrazedenses e a região. E sabe, caro amigo, que estarei consigo (não são poucas as vezes) sempre que eu entenda que isso é o melhor para Carrazeda…
Do ponto e contraponto, “fiat lux”. Oxalá!
Muito obrigado Carlos Fiúza pelas suas palavras.
Vieira é tudo issso que tão bem caracterizou.
Deixe-me acrescentar que ler Vieira é, para além do exercício de prazer pela clareza, precisão e beleza da linguagem, uma lição de vida pela actualidade que podemos encontrar na sua mensagem. E coisa fundamental - depois de tanta experiência de escrita que por aí se vê - um regresso à pureza e harmonia da Língua Portuguesa...
Multiplicação dos pães.
Numa tarde, Jesus, olhando para a multidão que tinha passado o dia com Ele, disse a Filipe que desse de comer a todos.
Os discípulos não entenderam... mj
Se me permitem, peixinhos e Vieira á Parte, estive a ler o relatório DIA sobre a mobilidade após construção da barragem.
É uma fábula, sugere "pode-se fazer isto", "comprar aquilo", "organizar aqueloutro", mas realça sempre que a EDP não tem dever de custear essas coisas, mas sim os parceiros e concessionários. Querem eles destruir a linha do Tua a troco de dois mini-autocarros, um barco e quatro embarcadouros. Sendo que estes para funcionarem teriam que obrigar o nível da água da barragem a variar menos de 3 metros, que não é garantido em lado nenhum, ou seja, uma fábula.
Quanto aos autocarros, têm valor de atracção turística ZERO, e são mais lentos que a velha linha do Tua, apesar de tudo. Descartam expressamente a beneficiação das estradas na região onde circulariam estes autocarros.
Depois citam algumas soluções de ficção, como um elevador junto à barragem, teleférico, carros eléctricos, etc, uma treta.
O estudo da nova via férrea alternativa, obrigado pela DIA, feito para resultar ser muito difícil e dispendioso.
Para cúmulo anunciam uma "agência" que ficará a gerir os fundos da compensação pela barragem, para mim uma forma descarada de subtrair estes fundos ao controlo das autarquias locais.
Enfim, leiam, leiam com atenção está lá tudo. E reclamem, depois será tarde.
Apenas para corroborar a opinião bastante lúcida e realista aqui expressa por J. Pinto em relação à mais que putativa barragem do Tua que, infelizmente, vai matar o vale, precisamente onde ele é mais valioso (em todas as suas valências). Como é que o amigo Hélder Carvalho (que leio sempre com prazer), escamoteia (quase primariamente) esta realidade?! E amigo HC, quando compara tão depreciativamente Mirandela com Geneve, em que é que nós somos inferiores? Porque é que os Suícos, com uma orografia bem mais problemática que o nosso vale do Tua, conseguiram vencer todas as barreiras, com os elevados resultados económicos que se conhecem ? Eles são mais competentes do que nós? Em quê? Porque é que não acha possível uma reformulação qualificada e modernizada da Linha do Tua? Muito mais haveria para desenvolver,evidentemente, mas pretende-se apenas exemplificar as vantagens que todos teríamos em ver revitalizado todo o vale do Tua com uma nova via férrea e, assim, com a manutenção do ecossistema e do clima que permite, p. ex., as produções vitículas que temos. Caso contrário, tudo sucumbirá irreversivelmente.
h.r.
Tamém concordo com J. Pinto em relação à mais que putativa barragem, mas quanto à actualidade da mensagem do padre, não expilica, prof. Mesquita. Chinesinho não pelecebe.
Socialista ferronho
nao pelecebe, poquê? poque o cónego é um puro, sò le falta sere casto!
o chinesinho só compilica.
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